O brasileiro Luís Spadetto, ex-treinador das categorias de base do Sport Club Internacional, foi um promissor jogador, mas precisou encerrar sua carreira de maneira precoce em virtude de algumas lesões. Em contrapartida, ele acabou se tornando um técnico muito aplicado, de personalidade forte, intenso e dono de um jogo propositivo.
Com ótimos trabalhos realizado no Brasil e com experiência na Europa, Spadetto falou com exclusividade ao MondoSportivo Brasil sobre suas ideias de jogo, metodologia de treino, projetos até então realizados e planos para o futuro. Vamos mergulhar, a partir de agora, em uma matéria com muito conteúdo futebolístico.
MondoSportivo Brasil: Spadetto, como foi o seu início no futebol?
Spadetto: “Meu início foi como quase todas as crianças brasileiras, jogando na rua descalço até sua mãe te obrigar a voltar para casa, já que no outro dia teria escola. Fui influenciado pelo meu pai e meu irmão, que também jogavam. Eu cresci jogando na rua e futsal, depois fui para o campo e, com 11 para 12 anos, saí de casa para jogar na capital do meu estado. Tempos difíceis, mas que valeram a pena.”
MondoSportivo Brasil: Spadetto, você subiu para o profissional com 17 anos e parou cedo, com 26, ainda sente saudades de jogar ou fazer parte do staff te deixa feliz?
Spadetto: “Sinto muitas saudades de jogar, mas estar em campo como membro de um staff me completa, pois gosto das funções que já desempenhei. Tive algumas funções que me entusiasmaram e desafiaram, mas sinto saudades de jogar. Isso não passa…”
MondoSportivo Brasil: Foi difícil a decisão de ter que encerrar uma carreira de jogador tão promissora e de forma tão precoce?
Spadetto: “Foi difícil. Deixei de jogar, mas meu coração não deixou de ser jogador. Talvez nunca deixará de ser. A mentalidade muda, mas os sentimentos permanecem lá.”
MondoSportivo Brasil: Ter começado no Brasil, até seus 17 anos de idade, o que isso representa futebolisticamente e o que te ajudou?
Spadetto: “A admiração e respeito pela individualidade, eu devo absolutamente tudo ao Brasil, pois eu vim do futebol de rua e tenho um orgulho tremendo disso. Comecei jogando na rua e futsal, me acostumei atuando no 1×1, 2×2, 3×3, 4×4 e só depois fui para o campo, no 11 x 11, mas percebi logo que tudo se resumia nesses duelos curtos. Acredito no micro do jogo, a junção dele é que dá a qualidade e velocidade de jogo que buscamos, faz a diferença no final. O jogo se define no espaço onde está a bola e ele costuma ser curto e precisa de decisões rápidas, então é ali que mora o micro. O futebol é um jogo extremamente coletivo, mas com grandes individualidades, e eu respeito isso. O melhor treinador de todos os tempos no Brasil foi Telê Santana, tanto que ele já dizia que sem a técnica não existe a tática. O que dá qualidade ao jogo é o micro, até mesmo para um contra-ataque, onde se é necessário acertar o primeiro e o segundo passe para sair da pressão após a perda do adversário. O micro também dá fluidez ao jogo, a qualidade e a tão desejada velocidade, claro, junto com o sincronismo e harmonia do coletivo. Resumindo, o Brasil foi minha primeira escola da vida e do futebol.”
MondoSportivo Brasil: Por ter sido jogador, você acredita que isso te ajuda na função de treinador, principalmente nas ideias?
Spadetto: “Falo por mim, mas no meu caso acredito que sim. Me ajuda a encontrar algumas soluções.”
MondoSportivo Brasil: Pode nos dar exemplos práticos?
Spadetto: “Quando comecei a jogar, minhas características eram de um jogador feito para transições rápidas devido a velocidade que tinha, então eu gostava de atacar em profundidade, sair rápido em transições, buscava sempre o um contra um, me movimentava bastante para encontrar espaços. Desde novo essas foram minhas características, gostava de jogar solto de uma forma meio que anárquica, eu via o jogo tudo muito rápido, em um ritmo acelerado. Enquanto joguei em fases e terrenos ofensivos, eu via e sentia a diferença de receber uma bola boa ou uma bola para disputas aéreas, etc. Todo meia-atacante ou atacante quer receber uma boa bola, uma em condições de fazer jogadas. Em determinado momento, eu mudei de posição, pois já não era tão rápido e nem fisicamente como antes, desci no campo e me tornei um meio-campista que atuava mais no centro do gramado. Precisei me adaptar, mais tive calma, pois já não tinha tanta potência física para acelerações, então fui obrigado a pensar mais. Foi ali que ganhei mais raciocínio, passei a valorizar ainda mais o passe, o domínio, valorizar a ocupação dos espaços, os timing’s de aceleração, jogar mais simples e conectado ao jogo, pensar mais nos companheiros e sentir o ritmo do jogo. Tudo isso foi o que me ajudou a entender mais o futebol, porque me dei conta que a velocidade de raciocínio era ainda mais potente que a velocidade física; que a bola corria mais do que nós jogadores; que o pensamento é mais poderoso do que movimentos constantes; que às vezes ficar parado pode ser a melhor solução de passe; que o jogo coletivo e compacto era mais forte do que tentativas constantes de 1 vs 1 ou que tenho que ir para frente e para cima a qualquer custo. Se analisarmos mentalmente, como atacante ou meia-atacante me sentia protagonista, como meio-campista me sentia um importante coadjuvante. Eu me sentia no dever de procurar passar a bola com qualidade para os colegas que jogam mais a frente.”
MondoSportivo Brasil: E se transportarmos essa experiência para as tuas novas funções?
Spadetto: “Todos precisam pensar uns nos outros, se olharem em campo, se comunicarem, que cada um saiba sua função e a dos colegas, ou seja, jogar em equipe. Gosto de ver ataques rápidos quando exista a oportunidade de atacar rápido, no entanto, se o jogo é de espaço e tempo e existe uma estrutura defensiva adversária para ser ultrapassada, precisamos criar espaços e, para se criar, precisa mover a bola para mover essa estrutura, ao mesmo tempo que é preciso ler os espaços observando as oportunidades que aparecem para acelerar o jogo. Precisa sentir o ritmo do ataque, o que dá velocidade a isto é o domínio, o passe e o bom posicionamento. O adversário posiciona uma estrutura na sua frente, você tem duas opções, só querer ultrapassar ela ou ultrapassar e, ao mesmo tempo, dificultar que essa estrutura te contra-ataque se não der certo a tentativa. Eu acredito que essa segunda opção seja a melhor.”
MondoSportivo Brasil: Gosto do termo “ritmo de ataque”, pode nos explicar?
Spadetto: “Gosto que minhas equipes tenham o próprio tempo, que desacelere para acelerar, ter nosso ritmo de ataque e de jogo, saber interpretar contextos. A velocidade de jogo vem com a qualidade técnica, harmonia e sincronismo coletivo. É preciso trabalhar isso, não é em um passe de mágica. Os jogadores precisam entender que os mesmos que os mandam ir para frente de qualquer forma, são os mesmos que os irão criticar quando perderem uma bola ou errarem um passe por não terem tido paciência ou ritmo de ataque. Uma ofensiva precisa ser construída, pensada, elaborada e, principalmente, conectada e lida. Para encontrar um espaço, em algumas ocasiões basta dois ou três passes, mas por vezes precisa de 10, 20 ou até 30 passes, depende. Se fazermos a leitura do jogo, logo no início do processo, pode acontecer que após quatro passes já se tem espaço para acelerar, mas ás vezes a equipe ainda não aprendeu a ler espaços, não se conectou com o ritmo de ataque, não reconhece as linhas de passes disponíveis e acaba perdendo as oportunidades para acelerar o jogo. Isso vem com tempo, trabalho e ajudando os jogadores a ter leitura de jogo. Nos perguntarmos: ‘onde está o espaço?’, ‘Como o criamos?’. O futebol não é xadrez, mas a grande velocidade e força desse jogo está em saber jogar com a mente.”
MondoSportivo Brasil: Interessante essa perspectiva Luís. É tudo fruto de vivências dentro do ambiente, certo?
Spadetto: “Tenho um sentimento pelo jogo que se transformou em princípios. Minhas ideias nasceram de um sentimento pelo jogo através das experiências, caráter, personalidade e vivências pessoais e profissionais, ou seja, tudo influencia para essa ‘ideia’. O grande desafio é implementar uma ideia, buscando ganhar com ela, correto!? Então, não pode ser de qualquer maneira, temos sempre que haver algo que nos guia. Os valores que queremos construir e ver dentro do campo são os desafios e valores que estão acima, valores que vão muito além até mesmo dos princípios de jogo, porque também se manifestam no caráter humano. Não podemos esquecer que quanto maior for a qualidade dos jogadores e a harmonia deles com a ideia de jogo do treinador, maior será a eficácia daquilo que são os detalhes e, por isso, maior será a possibilidade de ganhar partidas e campeonatos. Mas, para jogar de determinada forma não é necessário ter os melhores jogadores. Um estilo de jogo se manifesta melhor ou de forma mais harmoniosa e em menos tempo, com jogadores de determinadas características que se encaixam melhor na ideia proposta pelo técnico, mas não necessariamente precisa ser os melhores para que determinado estilo surja em uma equipe. Se ganhar for exclusivamente o que nos guia, sem que haja uma forma, uma harmonia e uma identidade que sustenta a procura da vitória, acabaremos por nos perder no caminho e é difícil voltar. A ideia tem que prevalecer e fundamentalmente precisa existir, porque quando perdermos haverá sempre algo mais importante para nos manter no caminho certo. E o mais importante é a nossa identidade que nos guia, de jogo e de vida.”
MondoSportivo Brasil: O que você pretende com suas equipes?
Spadetto: “Quero fundamentalmente um estilo de jogo que promova os jogadores e o clube onde estou, todos atacam e todos defendem, um estilo de jogo coletivo. Procuro analisar que tipo de jogadores tenho à disposição, quais as características de cada um e explorar o máximo dessas características deles para evoluir também e crescer dentro de um processo para que tudo isso se encaixe dentro de uma ideia. Acredito que aquele que tem a bola comanda o jogo, em função disso, me preparo para atacar com qualidade e precisão quando tivermos a bola. Não importa se é 30% de posse ou 70%, se temos a bola gosto de ir para frente com qualidade, critério, princípios e preparado também para uma suposta perda da posse, isso é essencial para se atacar com qualidade. Sobre a minha forma de defender, como acredito que quem tem bola manda no jogo, não penso que permitir que o adversário comande a partida por muitos minutos seja a melhor opção para se defender bem. Não posso defender somente para proteger o gol, gosto de defender para voltar a atacar, é possível sermos perigosos mesmo nos momentos defensivos.”
MondoSportivo Brasil: Como foi sua experiência na base do Sport Club Internacional?
Spadetto: “Muito válida, lembrarei com muito carinho de tudo e de todos. Meu trabalho diário foi
claramente na melhoria e evolução dos atletas, evolução que também passa por saberem jogar em equipe e que buscassem entender o jogo. Busquei jogar de uma maneira que promovessem os jogadores e o time, que valorizassem ambos e que fizesse os jogadores crescerem para a equipe, para eles próprios, para vida e para o jogo. Conheci pessoas com muita competência no Internacional e com vasta experiência na base, aprendi muito sobre a base.”
MondoSportivo Brasil: Seu foco foi direcionado em que?
Spadetto: “Foquei nos resultados individuais, saberem jogar de uma maneira coletiva dispondo de qualidades individuais, crescendo o jogador e o indivíduo. Sempre tive planos pessoais e ainda tenho, porém como treinador do Internacional em um ambiente formador, busquei formar, eu não me sentiria em paz ao ver vitórias na base sem enxergar aprendizagens. Acredito que todos que entram em campo, querem ganhar, se possível, todos jogos, mas na base é diferente, o mais importante é aprender o jogo, evoluir tecnicamente e humanamente. Eu senti isso na pele, ganhei tudo na base como jogador e aprendi menos do que devia. Não quis repetir o mesmo erro.”
MondoSportivo Brasil: Nas categorias de base é preciso focar exclusivamente na melhoria dos atletas, compartilho dessa ideia Luís.
Spadetto: “Sem dúvida alguma, e te digo, toda segunda, terça, quarta e assim por diante. Nós tínhamos nossas vitórias, mas naquelas que enxergávamos que estávamos jogando mais unidos, quando os laterais melhoravam nos cruzamentos e defensivamente, quando os atacantes finalizavam melhor e ajudavam no processo defensivo, quando os meias estavam mais proativos em campo e com melhor ajuste nos domínios, e por aí em diante, todos os dias e semanas tínhamos vitórias. Busquei que eles jogassem no próprio ritmo, no próprio tempo, esquecerem o externo e jogassem, nossa competição era interna. Eu nunca tinha trabalhado com jogadores da base, mas sempre falei que, se umdia trabalhasse, o meu foco seria na aprendizagem dos jovens jogadores, que faria de tudo para eles terem coragem de jogar, assumirem o protagonismo, serem brasileiros, tanto que fui sincero com eles nas criticas e nos elogios. Mais importantes do que metas, números e estatísticas, foi o processo, é isso que marca.”
MondoSportivo Brasil: E por nunca não ter trabalhado com jovens, como foi essa aventura?
Spadetto: “Foi desafiador, tive que abdicar grande parte da minha competitividade para focar exclusivamente na evolução dos atletas. Repito, vitórias para mim em uma base são diárias, cada aprendizagem de um atleta sobre um conteúdo e fundamento era uma vitória para mim. Foquei muito que os jogadores aprendessem a jogar o jogo, dentro dos momentos e fases dele, através de vídeos, palestras, conversas, perguntas – muitas perguntas -. Deixei quase toda minha competitividade que carrego desde a infância de lado para focar exclusivamente na aprendizagem deles. Fui muito exigente nos treinos, muito mesmo, mas fora do campo minha relação era muito próxima. A exigência era para despertar o melhor deles com atenção e foco, que para mim está de mãos dadas com a aprendizagem. Te dou um exemplo, todos tinham muita técnica, mas erravam domínios e passes insistentemente pelo descaso dessas duas ações, pois elas se repetem com frequência durante o treino [domínio/passe], eu sabia que estes erros não eram só técnicos, mas na maioria das vezes por falta de atenção e de preciosismo nas ações. Eu vi muito talento, o Brasil ainda é o maior celeiro de atletas no mundo. O que vi de jogador bom foi impressionante.”
MondoSportivo Brasil: De que forma jogava a sua equipe?
Spadetto: “Nós tínhamos um modelo de jogo padrão do clube. No entanto, tínhamos a liberdade de mover as peças dentro deste modelo para criar dinâmicas dentro do sistema de jogo. Minha equipe jogava na forma dos jogadores, dentro da identidade do clube. Meu papel era organizar as características dos jogadores e direcionar funções para eles dentro do sistema que utilizávamos. O importante para mim era que eles soubessem ler o jogo, interpretassem o contexto de forma lúcida e criteriosa, se moverem em função dos espaços, seja para atrair rival ou ser linha de passe. Não peço velocidade aos jogadores, mas qualidade, se você ainda não sabe conduzir bem um carro, não acelere muito ele, pois será um desastre. Os jogadores precisam dominar o conceito de recepção, decisão e execução. Isso aumentará a velocidade, pois ela vem através da qualidade e a qualidade vem com a prática de uma ideia, o que é considerado lento hoje, amanhã já não é mais. É necessário tempo, sincronismo, ritmo e timing justo, desacelerar para acelerar, buscávamos espaço para acelerar o jogo. Por trás da nossa posse de bola tinha uma intenção, jogo de intencionalidade, gerir o tempo e o ritmo do jogo é fundamental.”
MondoSportivo Brasil: Se fala muito em espaço no futebol, pode nos dar sua opinião sobre isso?
Spadetto: “Sempre temos que nos perguntar: ‘Onde é que queremos criar espaço?’, ‘Onde podemos explorar o espaço que o rival nos oferece ou o espaço onde estão nossos jogadores que mais desequilibram?’. Eu peço aos meus jogadores para olharem uns para os outros e saberem ocupar os espaços. Busco passar aos jogadores que espaço tem, ele está lá, cabe a nós encontrarmos e sabermos o timing de entrada nele, pois existe um determinado tempo para entrar. Se nos fecham fora se abre dentro e se fecham dentro se abre fora, essa leitura constante do contexto para descobrir espaço é o jogo, mas também podemos provocar com desmarcações e atrações para abrir o espaço que queremos. Quando eu falo em espaço, na minha concepção, estou também falando de linha de passe, pois encontrar espaço está ligado a encontrar primeiro uma linha de passe no espaço. Por isso, digo aos meus jogadores não buscarem a bola e sim o espaço, se você o encontra, a probabilidade de a bola te encontrar aumenta. A bola te encontra se você se mover bem, se procura ser linha de passe sempre. A linha de passe e o espaço talvez possam estar na profundidade (nas costas da linha defensiva rival). Se mova, observe e tome a decisão, talvez só tenha que estar no lugar onde já está.”
MondoSportivo Brasil: Você acredita então que o futebol…
Spadetto: “Não é buscar um estilo após as vitórias, isso é papel do acaso e não quero depender dele. Quero é já ter um estilo para vencer, que minhas equipes joguem altas no terreno e tenham bola no campo do adversário, porém, para se ter bola no campo adversário existem três formas de conseguir: uma é se o adversário recuar e já nos oferecer esse espaço para subir, a segunda é se o adversário me pressiona alto e eu precisar ‘lutar’ para conquistar esse espaço, e a terceira e última é lançando longo para ganhar profundidade ou ganhar a segunda bola, mas aí, ao meu ver, diminuo a probabilidade de sucesso. Não busco passes ao acaso, não quero ficar com a bola no meu campo ou perto do meu gol, quero conquistar o espaço que o rival insiste em se instalar, tanto que muitos pedem que os camisas 10 e atacantes façam a diferença, mas precisa chegar uma bola boa para eles, não é bola na cabeça, joelho, pescoço ou só para eles
correrem. A construção desde baixo é para conquistar as zonas altas, juntos, compactos e isso ajudará até mesmo no momento defensivo se perder a posse, mas essencialmente para fazermos a bola chegar com qualidade nos homens da criação, que são aqueles que todos pedem que façam a diferença. No entanto, poucos entendem que, para eles conseguirem fazer diferença em zona alta, precisamos conquistar zonas mais baixas. Se a construção não é bem feita, as outras fases e etapas do jogo dificultam. Não é uma questão de bola curta ou longa, é sobre passes e domínios de qualidade, bola correta para quem desequilibra o jogo. Desorganização e anarquia é diferente de harmonia com a complexidade do jogo. Dizem que o futebol é simples, porém chegar na sofisticada simplicidade é complicado, bem complicado.”
MondoSportivo Brasil: Qual o sistema tático que você prefere?
Spadetto: “Existem duas formas de ver isto. Existe o treinador sistêmico, que baseia seu jogo em um sistema, ou seja, tudo gira em torno desse sistema. Há também o técnico conceitual, que trabalha em função de conceitos, princípios de jogo que dão um norte a equipe. Estudei os sistemas táticos e fui atraído por vários, vejo a importância e funcionalidade em cada um deles. Os sistemas táticos são importantes sim, mas são apenas o ponto de partida, as dinâmicas da estrutura são que fazem a diferença. A dinâmica é o que dá asas ao sistema, um sistema sem dinâmica não voa. Temos que buscar fazer os jogadores compreenderem as alterações das subdinâmicas e adaptarem os comportamentos para desestruturar o rival. O mais importante são as relações e interações que se criam dentro do sistema, mais importante até do que as posições são as funções. A leitura dos espaços e ter o timing do jogo é fundamental, tanto que te deixo um exemplo: se sou um atacante e sinto que os defensores rivais sentem dificuldades em controlar a profundidade, criarei dificuldades fazendo movimentos em profundidade, se os zagueiro são estáticos e não pressionam, faço movimentos entrelinhas, pois provavelmente receberei bolas com espaço-tempo para pensar e acelerar o jogo. O que procuro é que independente do sistema ė saber trabalhar o que pretendo para minha ideia de jogo, isso é que é fundamental para qualquer treinador.”
MondoSportivo Brasil: Qual a importância da semana de treino?
Spadetto: “O planejamento semanal não depende só da ideia de jogo, depende também do que aconteceu no último duelo e do que poderemos encontrar no próximo. Na preparação da semana existem três condições que precisam ser respeitadas: 1 – Que através de exercícios e da atitude da equipe técnica a solidez daquilo que é a nossa ideia de jogo. 2 – Avaliar o último jogo e preparar a semana para corrigir os erros e potencializar o que achamos essencial para o seguinte. 3 – Preparação do próximo jogo, e isso varia de adversário, então aqui vem uma questão de estratégia para determinado jogo, mas no futebol o dia dia é de extrema importância, então não podemos fugir do planejamento diário, existem imprevistos que todas as semanas acontecem. Sobre a distribuição dos conteúdos que dão vida a ideia do nosso jogo, precisam ter uma repetição constante de determinados conteúdos, ao mesmo tempo que, temos que ter a capacidade de manter a motivação dos jogadores. A repetição é decisiva para a consolidação de conteúdos, mas a complexidade tem de ser crescente. A solidez da ideia de jogo, correção dos conteúdos da partida anterior e repetição de determinados conteúdos são três aspectos fundamentais no planejamento semanal.”
MondoSportivo Brasil: Spadetto, qual sua visão de treino no futebol?
Spadetto: “Tudo começa a partir do jogo! Quando pensamos em um exercício e no seu propósito, fazemos pensando em uma fase do jogo. Mas o exercício só faz sentido se ele melhorar a qualidade de jogo, um que não melhore não é um bom exercício. A qualidade de jogo cresce com a evolução dos jogadores e acredito que é possível evoluí-los através de bons treinos, independentemente da categoria ou idade. Os exercícios precisam de uma lógica construtiva. Devemos propor exercícios para equipe com uma base de sustentação que é o modelo de jogo. Para criar um exercício, entendo que vai estar bem acima do desenho esquemático da beleza do exercício. O exercício passa por três etapas: aprendizagem, manutenção e desenvolvimento. Um exercício nasce através de uma necessidade detectada na equipe e também para se desenvolver os
princípios e conceitos de jogo que queremos ver no dia da partida, onde seremos testados e avaliados. O jogo é sem dúvida algum reflexo do treino.”
MondoSportivo Brasil: Qual o grau de importância das repetições dos exercícios, feedback e oposição?
Spadetto: “O treino precisa de uma repetição sistêmica das ações. Assim se permite adquirir e dominar comportamentos, princípios que se tornam as ferramentas que o jogador e a equipe vão buscar resolver os problemas impostos pelo nosso adversário coletivamente e individualmente no dia do jogo e durante a competição. É importante termos oposição no treino, os constrangimentos, dificuldades reais do jogo, o gol, oposição e tentar ao máximo que a tomada de decisão esteja sempre emergente no treino. Os jogadores precisam decidir, tomar decisões e perceber porque as estão tomando. Exatamente por isso que o feedback é de muita importância no treino, pois dá vida ao exercício. E existem feedbacks que são mais motivacionais, já outros mais com conteúdo técnico-tático, mas ambos são importantes para o desenvolvimento do jogador e de um jogar que queremos. O treino precisa ter intensidade mental e de movimentos. Nós treinadores precisamos através do feedback e do exercício gerar emoção nos atletas, sem ela não tem aprendizagem.”
MondoSportivo Brasil: Você trabalha com jogos reduzidos?
Spadetto: “Sim, com certeza, os jogos reduzidos são exercícios muito importantes para que possamos trabalhar nossa ideia de jogo de forma específica e muito importante para evoluir jogadores. O reduzido é importante para a aquisição de um determinado principio de jogo que buscamos. Se consolida os conteúdos precisamos repetir os conteúdos, mas não precisa ter uma bateria de exercícios para passar a mensagem que você pretende aos jogadores. Nos jogos reduzidos trabalhamos os detalhes que darão a solidez no micro e que irá nos dar a fluidez que buscamos para o macro. Os jogos reduzidos só fazem sentido se tiver uma progressão para jogos de dimensão média e para espaço real do jogo, pois a complexidade do coletivo 11 vs 11 não conseguimos ter no reduzido, então o importante é percebermos que estes exercícios reduzidos são o ponto de partida para se treinar outro tipo de exercício com espaço maior. Os campos reduzidos ajudam, fundamentalmente para tomar decisões e resolver problemas, mas também servem para trabalhar o centro de jogo, são o alicerce para irmos para exercícios mais macros. Aumentar a complexidade dos exercícios e novas progressões ajudam que o exercício não pare no tempo e deixe de gerar mais aprendizagem. Muito do que está presente no jogo se consegue reproduzir isoladamente nos exercícios reduzidos. Com os jogos reduzidos sendo o ponto de partida para exercícios amplos, ajuda a trabalhar o centro do jogo, desenvolver o individual, tomadas de decisão e tocar na bola muitas vezes. Ele ajuda a reduzir o tempo-espaço de quem joga. É importante para promovermos o aprender de um determinado princípio, mas também poderá ser importante para trabalhar as dinâmicas de relação, conexão e ligação entre setores.”
MondoSportivo Brasil: Porque a decisão de voltar para Europa?
Spadetto: “Ninguém chega e ninguém vai por acaso, muitas vezes mesmo estando satisfeito, contente em um determinado lugar, precisamos refletir. A minha decisão de voltar para Europa foi contextual, familiar e profissional. O importante para mim é que dei tudo pelo clube e os atletas. Acredito que neste momento foi a melhor decisão.”
MondoSportivo Brasil: Aprendeu muito com o futebol italiano?
Spadetto: “Quem não aprende com o futebol Italiano? Se não me falha a memoria, os treinadores italianos são os que mais venceram a Liga dos Campeões e a Itália possui quatro Copas do Mundo e duas Eurocopas. Os treinadores italianos sempre foram respeitados, copiados e admirados. Sacchi é um gênio da organização de uma equipe, Ancellotti é mestre em gestão de grupo e Conte vem fazendo grandes trabalhos. Tenho certeza que a Itália logo voltará a vencer muito e deixar novamente um legado.”
MondoSportivo Brasil: Spadetto, você tem o objetivo de trabalhar em um país em especial? Fora as nações em que você já esteve.
Spadetto: “Sim, a Escócia. Eu sonho em conhecer este país, seu povo e sua cultura, tanto que gostaria um dia de viver e trabalhar lá. Desde a minha infância busco informações, a história é longa, mas mesmo nunca tendo ido para a Escócia, eu tenho grande admiração. Sempre que conheço alguém que esteve lá faço muitas perguntas, sobre tudo.”
MondoSportivo Brasil: Porquê a Escócia?
Spadetto: “Porque sou um admirador da influência que a Escócia teve no futebol sul-americano. Para quem não sabe, eles foram os pioneiros do chamado ‘futebol bonito’ com o ‘estilo de jogo escocês’. O futebol de toques de bola em progressão, que o Queen’s Park havia desenvolvido na Escócia, chegou na América e fomos influenciados por eles. A Escócia fez com que o de violência passasse a ser exaltado pela arte de se movimentar bem e passar bem a bola. Um futebol bonito de muitos passes e dribles para ir clareando os espaços. A Escócia deu muito ao futebol. Tiveram grandes jogadores também, como Denis Law, Kenny Dalglish, Billy Bremner, Graeme Sounesse e, mais atualmente, Andy Robertson, grande lateral do Liverpool.”
MondoSportivo Brasil: Ganhou carinho pelo Escócia através da história?
Spadetto: “Exatamente, pois os verdadeiros professores do futebol na virada do século 19 para o 20 foram os escoceses. Eles desenvolveram um estilo de jogo de toque de bola e dribles, começaram a exportar jogadores e treinadores para todo o mundo e vinham com talento, técnica, muito conhecimento e abertos à ensinar. Comecei a ter respeito, carinho e muita admiração pelo país e comecei a estudar sobre eles. Lugar lindo onde desejo conhecer e até mesmo trabalhar. Essa paixão é antiga, sonho um dia realizar.”
MondoSportivo Brasil: Você possui grande admiração por Sir. Alex Ferguson, verdade?
Spadetto: “Sir. Alex Ferguson, para mim, foi o melhor gestor futebolístico de todos os tempos, um treinador, um visionário e um grande líder desse esporte.”
MondoSportivo Brasil: O que você quer do futebol e no futebol?
Spadetto: “Permanecer feliz.”
Terminamos aqui uma fantástica entrevista exclusica com um jovem promissor treinador ítalo-brasileiro. Um grande material, muito conteúdo, não apenas técnico-tático, mas também humano. As informações sobre Spadetto foram as melhores possíveis! A equipe do MondoSportivo Brasil te deseja todo o sucesso do mundo em tua jornada que acreditamos ser muito promissora. Obrigado!