Em 2004, um clube tradicional italiano declarava falência. Era nada mais e nada menos que a Società Sportiva Calcio Napoli, clube fundado em 1926 e famoso no mundo inteiro por ter sido o melhor time em que Diego Armando Maradona jogou e se tornou verdadeiro um “deus” para o clube e torcedores. Foi então que o diretor de cinema Aurelio De Laurentiis comprou o clube e virou presidente e dono. O intuito era trazer o clube de volta para as glórias.
Em 2007/08, os napolitanos voltaram para a Serie A pela primeira vez desde 2001, após subir de divisões desde a terceira divisão, em que bateu recorde de público com médias de mais de 40 mil pessoas por jogo. Foram cinco títulos até aqui para o Napoli na “Era De Laurentiis”. Começou a Serie C, em 2005/06; três Copas da Itália, em 2011/12, 2013/14 e 2019/20, além da Supercopa italiana em 2014. Um detalhe que deixa o torcedor cheio de orgulho é que duas das três copas nacionais foram em cima da Juventus além da única supercopa conquistada no século.
Apesar de todas as conquistas que trouxeram a equipe do Sul italiano novamente nos holofotes do país e do mundo do futebol, De Laurentiis tem sido mais visto pelas polêmicas do que pelos feitos conquistados. Desde a saída de Walter Mazzarri, que comandou o time entre 2009 e 2013, todos os cinco treinadores seguintes (Benítez, Sarri, Ancelotti, Gattuso) incluindo o atual técnico Luciano Spalletti, viveram ou vivem situações delicadas com o presidente do Napoli, conhecido por ser um dirigente rígido e sem papas na língua.
Rafa Benítez
Rafa Benítez is in line for a return to Napoli after leaving Chinese outfit Dalian Pro. (Source: Corriere Dello Sport) pic.twitter.com/t3MAfOXEWI
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Rafa Benítez chegou na temporada 2013-14 e saiu ao final da temporada seguinte, deixando o clube em maio de 2015, após conquistar a Copa Itália e a Supercopa italiana. Sua saída se deve a muitas brigas de bastidores com o presidente napolitano. O treinador espanhol comandou o clube em 112 partidas, com 61 vitórias, 26 empates e 25 derrotas. Seu melhor resultado com o clube na Serie A, foi o terceiro lugar em 2013/14, classificando para a Liga dos Campeões. Foi uma boa passagem do espanhol que aparentemente não teve seus pedidos de contratações aceitos pela diretoria e sendo assim, em comum acordo deixou o clube.
Maurizio Sarri
🇮🇹 O revolucionário técnico Maurizio Sarri completa 62 anos. Com várias passagens por times das divisões inferiores italianas, ganhou projeção no Empoli, fez uma trabalho histórico no Napoli, conquistou a Europa League no Chelsea e a Serie A na Juventus. pic.twitter.com/6E8q3nrjWw
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Após a saída de Benítez, veio o treinador mais polêmico e contestado até por Maradona: Maurizio Sarri. O napolitano que veio do Empoli, ficou no clube partenopei durante três temporadas, com dois vice-campeonatos (2015/16 e 2017/18) além de um terceiro lugar (2016/17), ou seja, sempre esteve entre os melhores da Itália na liga nacional e sonhando pelo Scudetto, tendo a disputa mais impressionante na história da competição, quando conquistou 91 pontos e foi vice-campeāo para a Juventus, um campeonato doloroso demais para os torcedores napolitanos. E foi ao final da temporada histórica de 2017/18, que Sarri saiu do clube aceitando com Chelsea. Segundo os bastidores da equipe, a relação entre De Laurentiis e Sarri vivia entre altos e baixos ficando insuportável com o pedido de demissão do treinador que segundo o presidente do clube, foi “uma traição por dinheiro”. O que ajudou o presidente a sair por cima foi a ida do profissional pouco tempo depois para a Juventus, maior rival do time. Sarri encerrou sua trajetória nos Azurri, com148 jogos, tendo 98 vitórias, 25 empates e 25 derrotas, melhores números de um treinador no clube até hoje no século XXI.
Carlo Ancelotti
Everton have set their sights on Napoli centre back, Kalidou Koulibaly.
Carlo Ancelotti’s priority in the summer transfer window is to recruit a “world class” centre-back.
It is believed that Koulibaly is top of Everton’s target list.
Source: (Football Insider) pic.twitter.com/1rHrtzWkG4
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Depois que Sarri deixou o clube veio a contratação da estrela Carlo Ancelotti, in treinador histórico no futebol mundial, com passagens por Milan, Real Madrid, PSG e Bayern de Munique. A chega do italiano deixou a cidade de Nápoles bem empolgada. Mas o que parecia ser histórico foi um verdadeiro desastre. A trajetória de Ancelotti no clube foi curta, menos de duas temporadas, saindo da equipe, em dezembro de 2019.
A situação estava tensa nos bastidores, visto que a equipe estava em sétimo lugar na Serie A e piorou quando o presidente ordenou que os jogadores fizessem concentração para melhorar o futebol do time. Em coletiva de imprensa, Ancelotti foi totalmente contrário à ideia. Os atletas entraram em conflito, se recusando a ir para um hotel para ficarem em concentração.
O clube reagiu de forma autoritária, aplicando multas de quase 50% dos salários. A Associação de Jogadores da Itália entre outras associações, fizeram protesto e ameaçaram processar o clube pelo tratamento dado aos jogadores. E após a goleada de 4 a 0 diante do Genk, da Bélgica, e classificação para as oitavas-de-final da Liga dos Campeões, Ancelotti foi demitido. Apesar da ótima campanha na competição europeia, com três vitórias e três empates, Carlo deixou o clube pela porta dos fundos, sendo talvez o seu pior trabalho como treinador de um grande clube europeu. Ao todo, foram 73 partidas, somando 38 vitórias, 19 empates e 16 derrotas.
Gennaro Gattuso
📃| Gattuso: "Treinar o Napoli foi maravilhoso"
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Aurelio De Laurentiis se arriscou e trouxe o ex-jogador Gennaro Gattuso para assumir a vaga de Ancelotti. A contratação dividiu opiniões, afinal o clube trouxe um treinador sem histórico vitorioso e com raízes rossoneri, trazendo mais dúvidas do que certezas entre torcedores e setoristas partenopei.
Com um estilo de jogo ofensivo, usando o melhor que Insigne, Fabián Ruiz e Zielinski tem a oferecer, Gattuso conseguiu fazer o Napoli jogar um bom futebol, chegando a final da Copa Italia em sua primeira temporada, após eliminar Lazio e Inter. Na decisão, venceu a Juventus, nos pênaltis. O título deu moral ao treinador e também ao elenco que sentiu demais a pressão na gestão de Carlo Ancelotti. Na temporada seguinte veio a maior contratação da história napolitana: Victor Osimhen. Com o nigeriano, esperava um desempenho ainda melhor do ataque. Com um time ofensivo mas defensivamente muito abaixo do esperado, vieram muitas oscilações na temporada. Após ser eliminado pelo Granada, na Liga Europa, além de perder a final da Supercopa para a Juventus, veio o momento mais difícil de Gattuso no comando da equipe. Foi neste momento difícil em que a relação antes harmoniosa com De Laurentiis, começou a declinar. Muitas reuniões e cobranças. A eliminação para a Atalanta na semifinal da Copa Italia deixou o clima ainda mais pesado, tendo a saída do técnico sacramentada após perder a vaga na Liga dos Campeões na última rodada da Serie A, com um empate em casa diante do Verona, permitindo que a Juventus “roubasse” a vaga e o quarto lugar no campeonato.
“Rino” como é conhecido, deixou o clube sabendo que poderia ter feito ainda mais e sua saída veio em um anúncio oficial do presidente. Em comparação com os três treinadores anteriores, foi o que teve contrato rescindido sem muitas brigas ou alardes. Ao todo, foram 81 jogos, com 47 vitórias, 12 empates e 22 derrotas.
Luciano Spalletti
🎙 #Spalletti: "Precisamos acreditar. Precisamos ser inteligentes e estar focados no aqui e agora. Vou escolher o time baseado em quem está disponível."#EmpoliNapoli
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Com três técnicos em quatro anos, Aurelio De Laurentiis passou a sofrer uma pressão enorme da torcida que iniciou campanhas para que o dirigente deixe o clube e venda a equipe para quem “queira fazer o Napoli campeão”. Foi então que o presidente partenopei apostou em um velho conhecido e vencedor treinador italiano: Luciano Spalletti, responsável pela fortíssima Roma de Totti e Cia que deu trabalho para Juventus e Inter na metade da primeira década deste século.
Spalletti chegou com a missão dura de fazer o time ser vencedor e trazer confiança a Victor Osimhen, que teve uma temporada de estreia sem grande brilho, além de tornar a defesa napolitana solida novamente como era na época de Maurizio Sarri, transformando Koulibaly em uma muralha novamente.
O treinador chegou com tudo! Foram oito vitórias seguidas, liderança disparada e torcida animada. A equipe era extremamente ofensiva e a defesa praticamente intransponível, sendo a melhor do campeonato no primeiro turno da Serie A. Mas como todos já sabem, não vieram os reforços prometidos ao treinador. De fato o Napoli não gastou dinheiro em reforços. Vieram apenas Anguissa e Tuanzebe por empréstimos e Juan como agente livre. Apenas o primeiro de fato foi utilizado. Não veio o latera-esquerdo prometido, um zagueiro forte para dividir a responsabilidade com Koulibaly e muito menos um armador para ajudar o elenco que hoje conta apenas com Fabián Ruiz e Zielinski, precisando improvisar Insigne e Elmas em muitos momentos.
Alem de não reforçar o time, Spalletti viu De Laurentiis perder o principal jogador do time: Lorenzo Insigne. O capitão e camisa 24 não foi procurado pelo clube para renovar seu contrato e quando foi, não ocorreram reuniões a altura do ídolo que é Insigne. A falta de vontade em resolver problemas no elenco e melhorar o time, fizeram com que a relação perfeita no começo do trabalho começasse a desmoronar. Insigne sairá do time, Koulibaly tem tudo para sair e outros jogadores também. Ou seja, um time que precisava se reforçar para brigar por títulos está se desmanchando. Até Mertens, maior artilheiro da história do clube e décimo segundo jogador do time ao longo de toda a temporada, com gols decisivos, sequer foi procurado para renovar o contrato.
O resultado de tudo isso foi desastroso. Com elenco enxuto, sem opções para ajudar o time a vencer ou reverter resultados ruins, os napolitanos viram o sonho do Scudetto ir embora de forma melancólica. Derrotas inexplicáveis e vitórias improváveis foram um marco do time na temporada. Muitas lesões, problemas físicos e convocações para as seleções foram fatores determinantes para que o time entrasse nesta crise em que se encontra.
A derrota para o Empoli, com uma virada em apenas oito minutos, pelo placar de 3 a 2, foi a gota d’água. Pela primeira vez desde 1942, os napolitanos foram derrotados após abrirem dois gols de vantagem. Restando quatro rodadas, o time pode perder não só o terceiro lugar como também até a vaga para a Liga dos Campeões, já que Juventus, Fiorentina, entre outros times estão se aproximando do Napoli e podem tirar a equipe novamente da competição europeia que era uma realidade do time.
O problema são os treinadores ou o presidente?
Presieduta a Roma la prima riunione del Marketing and Communication Working Group @ECAEurope #ADL pic.twitter.com/ScfI7OVhGm
— AurelioDeLaurentiis (@ADeLaurentiis) November 16, 2017
Afinal de contas, quem é o culpado pelo passado recente sofrido do time? É inegável que as constantes mudanças de técnicos, ausência de investimento no clube e polêmicas em todos os momentos em que aparece na mídia, fazem de De Laurentiis o principal responsável pela decadência do time. Não é fácil ser dono e presidente de um clube, mas fazem anos que claramente vemos que o dirigente não tem mais ânimo para fazer o Napoli cada vez maior.
O título da Copa Itália, em 2020, foi um achado em meio a tantos perdidos que o clube viveu ao longo dos anos. Deixar Insigne sair, negociar Higuaín com a Juventus, não reforçar um time que já era bom e tinha condições de ser campeão, além de colocar preços altíssimos nos ingressos tentando afastar o torcedor, deixam claro que hoje o casamento que já foi perfeito hoje merece uma separação.
A fanática torcida napolitana não merece sofrer mais em meio a tanto potencial que o clube tem. A atual temporada foi um verdadeiro desperdício, visto que com Milan e Inter oscilando demais e Juventus em reconstrução, era o momento perfeito para que os partenopei fossem campeões em um campeonato relativamente mais palpável do que em todos os que foi vice-campeāo recentemente.
Resta torcer para que a temporada acabe logo e que grandes mudanças administrativas ocorram, pois o Napoli só voltará aos primeiros lugares quando tiver alguém dedicado a fazer do clube gigante como tem sido desde os anos 80. A quarta maior torcida da Itália necessita bater de frente com o “trio de ferro” do Norte italiano e precisa urgentemente.