Exclusiva: A Guerra na Ucrânia através dos olhos de Viktor Kovalenko

Por Francesco Moria, da redação do MondoSportivo Italia

Os dramáticos acontecimentos ligados à guerra na Ucrânia estão entrando nas casas de todo o mundo há mais de um mês, com imagens e histórias que nos são trazidas por quem está no campo e vive em primeira mão o que acontece apenas alguns quilômetros de distância de casa.

Os ucranianos que estão longe de seu país natal olham o que está acontecendo com raiva, consternação e desespero, pois estão em outros locais, tentando continuar suas vidas, mas possuem amigos, parentes e compatriotas que se arriscam todos os dias na Ucrânia.

Viktor Kovalenko, um dos principais jogadores do Spezia, está entre aqueles que não conseguiram encontrar muitas palavras para descrever o que sentem por dentro. Ele decidiu se expressar com gestos práticos, por exemplo, leiloando sua camiseta com a frase “STOP WAR” (“PARE A GUERRA”, em português) através da Belarusian Sport Solidarity Foundation, da Tribuna.com e da Ukraine Alive 2022.

O dinheiro será arrecadado através do programa de caridade “World Sports for Ukraine”, juntamente com os de outros artigos esportivos leiloados, que ajudarão nas compras de pelo menos mil coletes à prova de balas, três mil kits de primeiros socorros de acordo com os padrões da OTAN, 100 desfibriladores e alimentos para refugiados.

O MondoSportivo sempre esteve na vanguarda da divulgação de histórias de paz e liberdade, condenando a violência, a guerra e os governos autoritários, especialmente quando o próprio esporte está envolvido. Kovalenko, além da entrevista que deu ao jornal “Gazzetta dello Sport”, decidiu se abrir aos nossos microfones, nos falando tudo sobre a guerra na Ucrânia: seus medos, lembranças, esperanças e as muitas perguntas que ficaram sem respostas.

O vídeo da entrevista:

Agora estou mais ou menos, mas no primeiro mês eu estava muito mal, não conseguia dormir direito. Eu só posso imaginar como as pessoas estavam na Ucrânia, porque eu não conseguia nem adormecer sem tomar um remédio específico. Quando eu fiquei sabendo que meus amigos e familiares não corriam risco de vida, a situação melhorou, mas ainda assim foi difícil. Também pensei em voltar para a Ucrânia, ajudar de alguma forma possível lá, mas percebi que sou mais útil aqui no futebol. Mesmo participando dos treinos, consigo desligar a cabeça e pensar só no futebol“, comentou o jogador, que está no Spezia emprestado pela Atalanta.

O mundo do esporte respondeu de forma unida à invasão da Ucrânia, mostrando grande solidariedade: você esperava essa reação?

Em primeiro lugar, posso dizer que não esperava essa invasão, isso foi o que mais me surpreendeu. O mundo viu que a Ucrânia está defendendo nosso país e nosso território, todos veem que temos razão. Fiquei satisfeito com a reação do mundo, só posso agradecer a todos pelo que foi feito por nós”.

Federações esportivas de todo o mundo compartilharam a decisão de excluir clubes e atletas russos e bielorrussos para “punir” seus respectivos países: você concorda com essa decisão?

Muitos jogadores e esportistas russos jogam e trabalham no exterior, então não há propaganda de Moscou no exterior e eles podem ver exatamente como as coisas realmente estão. Quando você vê como é a realidade, você não pode se calar, mas alguns preferiram não comentar nada. E se você não se posiciona, pelo menos para mim, significa que você aceita essa situação. Portanto, é correto que você faça essas escolhas“.

Você nasceu em Kherson, que hoje é uma das frentes de batalha mais sangrentas e cruéis: o que você sabe sobre o que está acontecendo lá? Você ouviu algumas coisa de seus entes queridos?

Eu ouço muitas coisas diariamente através da minha família e de entes queridos. No começo foi difícil, eu tentava ligar toda hora para eles, aí na décima tentativa era quando eu conseguia, mas tinha somente 20 segundos de conversa. A situação melhorou e atualmente falo com eles com mais calma, mas minha família continua a ouvir os sons de mísseis e armas. Há também uma batalha que está ocorrendo em Mykolaiv. A Rússia nem mais permite que veículos humanitários ucranianos passem dentro da cidade“.

Você jogou alguns anos atrás no Shakhtar Donetsk, time que sofreu graves consequências por causa do conflito: o que você lembra desses anos?

Desde a infância eu sonhava em jogar na Donetsk Arena. Depois, quando me mudei para lá, aconteceu o que aconteceu e fomos transferidos para Kiev, onde nos sentíamos muito bem. No entanto, sonhávamos e esperávamos um dia voltar a Donetsk: sei que é uma cidade esplêndida, sempre gostei de lá desde que me mudei. Um município perfeito e que tem um belíssimo estádio. O conflito de 2014 certamente afetou a situação hoje e, ao meu ver, esta guerra foi totalmente planejada,  mas não sou especialista em política e quero me limitar a dizer isso”.

Na sua opinião, a Itália poderia fazer algo mais pelo seu país?

Só posso agradecer à Itália e ao povo italiano, também pelo que vejo aqui em La Spezia. As pessoas trazem remédios, tanto que conheci uma menina que faz caridade e, inclusive, já estive no armazém dela onde as pessoas levam o material. Vi com meus próprios olhos o que os italianos estão trazendo para os ucranianos, realmente há muito material e eu estou muito feliz com isso. As empresas italianas também estão envolvidas, há uma grande solidariedade. Se a Itália ainda puder fazer algo a mais pela Ucrânia, ficaremos gratos por isso.

Qual é a melhor lembrança que você tem de Kherson?

Kherson é minha cidade natal, onde passei minha infância. Me lembro do estádio que ficava perto da minha casa e, de vez em quando, saía para jogar futebol. Outros rapazes preferiram se divertir com outras coisas, como ir aos brinquedos no parque. Eu também me lembro bem da minha escola, amo minha cidade e espero voltar em breve.

Qual é o senso de tudo isso? Que resposta você foi capaz de dar a si mesmo?

Como tudo isso é possível, eu me pergunto isso todos os dias. Por que eles nos atacaram? O que eles querem de nós? Somos um país que quer avançar, não sabemos porque nos atacaram. Esperamos vencer esta guerra, eles nos acusaram de ser fascistas, mas isso não é verdade. Eu não sei o que eles realmente querem.