Direitos de Transmissão da LaLiga: é assim que se faz

Nesta semana foi divulgada a informação de que a LaLiga, a liga de clubes que comanda o campeonato espanhol de futebol, renovou o contrato de direitos de transmissão da sua competição para o mercado interno espanhol. Nesta coluna falaremos um pouco sobre este tema.

Vamos aos fatos: o contrato que se encerra na temporada 21/22 (ou seja, esta que está em disputa) era de 3 anos e pagou o total de € 2,94 bilhões, ou € 980 milhões anuais. A detentora dos direitos era a Movistar, empresa controlada pela Telefonica.

Precisamos lembrar que em Março de 2021 a Movistar anunciou que o futebol era um ativo importante na grade de programação da operadora, mas que “não a qualquer preço”, indicando que o valor do atual contrato deveria ser renegociado para baixo.

A renovação anunciada nesta semana informa uma mudança importante na estrutura de transmissão local: sai a exclusividade da Movistar e entra a divisão com o DAZN. Nas próximas 5 temporadas, que começam em 22/23 e vão até 26/27 a Movistar transmitirá 5 partidas por rodada e o DAZN outras 5 partidas, sendo que em 3 rodadas a Movistar transmitirá os 10 jogos. Não há informação sobre como será esta divisão, e isto indicará o quanto cada empresa pagou pelos direitos. Se alguém tiver exclusividade sobre Real Madrid e Barcelona, por exemplo, certamente pagará mais pelos direitos.

O valor contratado será de € 4,95 bilhões, que equivalem a € 990 milhões por temporada. Ou seja, ainda que tenha sido um acordo que representa um valor maior, na prática o aumento é de 1% em termos anuais. O que já é uma vitória, considerando que na Premier League a renovação foi por 3 anos sem alteração de valores, enquanto na Bundesliga,  Seria A e Ligue 1 as renovações representaram reduções entre 4% e 8%.

Agora vamos à análise dos fatos, separando por temas.

  1. OS MESMOS PLAYERS DE SEMPRE

Diferente do que muitos pensavam, nas renovações de contratos que ocorreram entre 2020 e 2021 não apareceram grandes novidades entre os concorrentes. Netflix não veio, Amazon seguiu modesta, Apple segue fazendo filmes e séries e apenas o DAZN reforçou a aposta nos mercados locais. Como sempre digo, não é um mercado com tantos players dispostos a aportar recursos relevantes em direitos. No caso da LaLiga há uma interdependência histórica entre a liga e a Movistar (Telefonica), pois uma parte relevante dos assinantes da companhia de tv paga é também assinante do campeonato espanhol. Segundo estudo do Barclays, são cerca de 3,3 milhões de assinantes que geram algo como € 3,7 bi em receitas anuais somando o pacote básico e o pacote da LaLiga.

O DAZN faz parte da chamada “Guerra do Streaming”, que coloca em combate vários players do segmento em busca de assinantes. Uma das medidas de valor de uma empresa de streaming é o número de assinantes, mesmo que ela dê prejuízo, o que ocorre com a grande maioria. O DAZN está tentando se firmar como um player relevante nesse mercado, a conseguiu direitos importantes na Alemanha, Itália e agora Espanha.

Mas são sempre os mesmos: Sky, BT, Movistar, DAZN, BeIN, e com alguma entrada mais recente e limitada a Amazon.

  1. DINHEIRO NA MÃO E SEM RISCO

A tese de que as ligas passariam a distribuir diretamente seus jogos é interessante para vender ideia de futuro, mas está longe de ser uma realidade. Nada como garantir receitas sem correr de riscos de buscar assinantes, de montar parcerias de transmissão, oscilar receitas de acordo com o interesse que o campeonato desperta.

Todas as grandes ligas seguem com contratos longos, e a LaLiga chega com um aumento de prazo, dos tradicionais 3 anos para 5 anos. É bom para todos, pois a liga garante receita importante e estabilidade aos clubes e especialmente para o DAZN é uma forma de vender ao mercado que tem um ativo de prazo mais longo. Empresas de streaming vivem dos direitos que possuem, e só valem por isso, pois só há assinante se houver programação a ser transmitida.

A NFL fez contrato de 10 anos, todas as demais ligas europeias renovaram por 3 anos, e a LaLiga pode estar inaugurando uma nova fase, com prazos e parcerias mais longas. Há alguns aspectos importantes nesse sentido:

  1. Com a fragmentação da mídia, os players mais fortes e tradicionais perdem espaço e receitas, e consequentemente força financeira para pagar por contratos relevantes. Não é à toa que a Movistar reorganizou a oferta e topou dividir o bolo, assim como no Brasil a Globo tem optado por reduzir participação nos direitos esportivos.
  2. O problema é que as novas mídias não têm força para grandes negociações, nem interesse em pagar muito por direitos de uma atividade que pode estar em processo de acomodação para baixo em termos de valores e interesse. O futebol não deixará de ser o futebol, mas em algum momento pode valer menos do que se imaginava antes da pandemia. “Pode” é diferente de “Será”.
  • Há que se ter um cuidado na negociação dos direitos. A pulverização em diferentes plataformas gera mais perdas que valor. A ideia de acessar muitos públicos diferentes tira um impacto importante da construção do produto. Poucos players podem não apenas reforçar o branding como garantir que o preço ao consumidor final seja menor. A ideia de fragmentar em 4 ou 5 formas de transmissão é inviável. Parece bacana dizer que seus jogos passam no TikTok, no Youtube, na Amazon, no DAZN, na Sky, no celular, no tablet, e até na TV, aquele aparelho arcaico. Mas isso é bonito para fazer autopromoção. Para o produto é ruim, porque dilui o foco e não permite a recorrência.

A questão não é apenas de atender todos os fãs de todas as plataformas. É também de lembrar que temos tantas opções que disputam o tempo da audiência, que ao fragmentar cria-se a distração, e consequentemente abre-se a possibilidade de buscar outro entretenimento. Se seu time joga hoje no meio A, na próxima rodada no meio B, na seguinte volta ao A para depois jogar no C, no D, voltando ao B…veja, é insano. No meio do caminho, sem uma divulgação organizada, o torcedor já está fazendo outra coisa e esquece do seu time.

Ou seja, este novo contrato da LaLiga nos traz coisas interessantes. Trata-se de um bom valor se considerarmos o momento, com prazo elástico o suficiente para garantir estabilidade ao negócio, introduz um novo player local, sem, contudo, fragmentar demais a transmissão, mas garantindo que haja divulgação suficiente especialmente em ambos.

Movimento interessante da LaLiga, especialmente num momento em que seus principais clubes estão em dificuldades financeiras, não entenderam que seus papéis no ecossistema do futebol estão sendo tomados por outros atores, mas insistindo na tese do “somos grandes”. Essa soberba costuma custar caro.