Ela sempre esteve lá. Talvez você não se lembre de todas ou nem tenha prestado atenção por estar ocupado demais gritando e abraçando alguém ao seu lado, mas todas as vezes depois que a bola toca as redes, os movimentos feitos por um determinado atleta também fazem parte do conjunto da obra. Estamos falando das comemorações de um gol.
De saltos mortais e deslizes com os joelhos sobre a grama, até mostrar o próprio nome estampado na camisa para a torcida, o que é feito pelos jogadores após um gol é muito importante para a fotografia do momento se perdurar na memória do torcedor por vários e vários anos.
E quando um jogador celebra sempre da mesma forma, a comemoração adquire caráter especial e passa a ser diretamente ligada ao autor do gol. A partir do momento em que as pessoas conseguem identificar a autoria de uma comemoração mesmo que seu “criador” não esteja envolvido, a celebração acaba sendo incorporada à imagem que temos do jogador. Dito de outra forma, a comemoração se torna indissociável do atleta e se incorpora à sua imagem/marca pessoal.
Marca pessoal
Assim como as marcas de empresas e produtos, uma marca pessoal remete ao público vários aspectos de uma personalidade: seus valores, postura, características físicas, etc. No ramo da psicologia Carl Gustav Jung desenvolveu o termo “arquétipo”, padrões comportamentais que as pessoas têm dentro das próprias personalidades, e definiu os doze principais arquétipos (foto abaixo).
Cada uma dessas classificações possui seu próprio conjunto de valores, significados e traços de personalidade, que podem ser vistos em algumas comemorações. Em destaque, quatro arquétipos ressaltados por comemorações e ideias que transmitem.
- Governante/Soberano: Exercer a liderança, ter controle, poder. Relacionado com reis. Ex: postura de Zlatan Ibrahimovic
- Rebelde: chocar; “As regras servem para serem quebradas”. Ex: Robbie Fowler “cheirando” a linha de fundo em alusão ao uso de cocaína, resposta à acusações da imprensa inglesa de ser usuário da droga (publicação abaixo)
- Amante: sensualidade, tornar-se atraente física e emocionalmente. Ex: Cristiano Ronaldo mostrando seu abdômen.
- Comediante: Divertir, alegrar o mundo, brincar. Ex: dança de Daniel Sturridge.
https://twitter.com/FcLiverbirdBr/status/1466108023286509575
Caso Gabigol
O exemplo mais proeminente no futebol brasileiro nos últimos anos é o de Gabriel Barbosa, vulgo Gabigol. Desde 2019 o atacante comemora seus tentos com o mesmo gesto: cara séria, braços erguidos mostrando o “muque” e balançando a cabeça (foto à direita da capa da matéria), como quem expressa ar de força e poder. O gesto, acompanhado da frase “hoje tem gol do Gabigol”, se tornou tão popular que é utilizado por vários torcedores, inclusive crianças em situações cotidianas, tanto que até virou até boneco produzido pelo Flamengo em parceria com o jogador (publicação abaixo).
O Boneco do Gabigol acaba de chegar nas lojas oficiais do #Flamengo físicas, com o valor de R$ 149,90. #CRF @EspacoRN pic.twitter.com/wOFUOMfImM
— Paparazzo Rubro-Negro (@PaparazzoRN) October 5, 2020
A comemoração até é feita por outros jogadores como foi no caso de Luis Leal. Uma semana após perder a final da Libertadores para o Flamengo (com dois gols de Gabigol), o River Plate enfrentou o Newell’s Old Boys, equipe de Leal, pelo campeonato argentino e viu o atacante comemorar da mesma forma que o brasileiro costuma fazer, em clara provocação à equipe rival (veja o vídeo aqui; gol a partir dos 2:27).
Esta situação demonstra uma grande vantagem de uma comemoração ser fortemente ligada à um jogador em específico. A partida não tinha nada a ver com Gabriel, mas mesmo assim o jogador foi lembrado positivamente com um alcance internacional.
As comemorações também se tornam comercializáveis. Além do boneco, Gabigol também fechou parceria com a empresa Kenner para lançar uma linha de chinelos personalizados, que contam com a silhueta da comemoração do atacante. De acordo com Júnior Pedroso, que gerencia a carreira do jogador, Gabriel traria benefícios também fora de campo, agregando receitas a outras áreas:
“O clube vê que o Gabriel não é o que entrega só dentro de campo, como pode alavancar outras áreas, e tudo isso junta vira um produto muito valioso. O PSG não pensa apenas no que o Neymar pode render jogando futebol”, afirmou Júnior Pedroso
O empresário ainda afirmou que mais de 70 produtos do jogador estão em fase de análises, especialmente materiais escolares e roupas infantis, o que também sinaliza a tentativa de aproximar Gabigol com o o público infantil e elevá-lo a um nível de personalidade nacional, e não apenas ídolo do Flamengo.
Comemorações patenteadas… literalmente
Uma comemoração incorporada à marca pessoal provavelmente chegou ao seu ápice no ano de 2013, quando o então jogador do Tottenham, Gareth Bale entrou com um pedido para patentear o logo de sua comemoração, o “11 of hearts” (“onze de copas”).
O logo consistia no gesto que Bale fazia com as mãos depois de marcar, com o número 11, de sua camiseta, no centro da imagem.
Na época, o jornal The Independent destacou que o jogador poderia ganhar milhões de libras anualmente apenas usufruindo do logo:
“As possibilidades são enormes para Gareth Bale. Uma vez tendo esse direito (da patente), ele pode lucrar com isso e se tornar um jogador mais conhecido. Um terço de sua receita total poderia ser feito com seus direitos de imagem, potencialmente até £ 3 milhões por ano”, declarou Nigel Currie, diretor de uma agência de marketing esportivo, ao portal.
Também na Inglaterra, em 2018 o meia Jesse Lingard seguiu o mesmo exemplo e solicitou quatro patentes: três relacionadas à seu apelido, ‘JLingz’, além de uma referente à imagem de sua celebração, as iniciais ‘JL’ com os dedos (publicação abaixo). A patente cobria essencialmente produtos de vestuário como roupas, calçados, etc. abrindo oportunidades para que o jogador explorasse a imagem nesse tipo de negócio.
🇷🇺Ready👊🏽 #JLingz #ThreeLions pic.twitter.com/TTAwY5by36
— Jesse Lingard (@JesseLingard) June 14, 2018
Dybala Mask
A importância de uma comemoração associada a um jogador é também explorada comercialmente. Com quase 40 milhões de seguidores apenas no Instagram, Paulo Dybala é um jovem jogador cada vez mais influente, sendo eleito recentemente o melhor jogador da Serie A italiana, além de ser convocado com frequência para seleção argentina.
Dybala também tem uma comemoração como marca registrada: a “Dybala Mask”(“máscara do Dybala”)(foto à esquerda da capa da matéria) que, segundo ele é uma referência ao filme ‘Gladiador’, seu preferido, e que o gesto representa aspectos de resiliência e determinação.
Responsável por ajudar no marketing do jogador, Diego Soraires, consultor de marketing esportivo, viu potencial para o jogador construir uma marca própria e ressaltou o papel da comemoração do argentino(leia a entrevista aqui):
“O poder das máscaras é muito forte, o poder dos figurinos, dos heróis. Esse foi o ‘clique’ do Paulo: ele adotou a marca, inventou uma comemoração que o representou e que gerou uma grande comunidade.”
Adidas asked Beijing-based artist-designer Zhijun Wang to create a mask made from the Copa 19 boot for @PauDybala_JR
Maybe don’t show your kids this one…! pic.twitter.com/EmpSMVw2gV
— BBC Match of the Day mag (@MOTDmag) November 27, 2018
Em 2018 a Adidas, patrocinadora do jogador, chegou a confeccionar uma máscara feita com elementos da linha de chuteiras Copa-19, e no final do mesmo ano criou um documentário sobre o jogador denominado de “Behind the mask” (“por detrás da máscara”), o que reforça também a possibilidade de gerar receita com as associações comemoração/jogador.