Crowfunding, boa gestão e internacionalização: o caso de sucesso do Eibar

É estatisticamente comprovada a relação entre dinheiro e sucesso esportivo. Em algumas ligas esta relação é muito forte, como parece ocorrer na Premier League por exemplo. Um clube que gasta menos em contratações, salários e tem um elenco pior avaliado tende, em teoria, a ter dificuldades para competir, o que definitivamente não foi o caso do Eibar, da Espanha.

Apesar de ter sido rebaixado na última temporada, a equipe se tornou um exemplo de gestão esportiva e financeira que resultou em sua permanência na Primeira Divisão Espanhola por sete temporadas. Em todas elas com um dos elencos mais baratos da competição (a melhor avaliação foi a de 15º elenco mais caro na temporada 17/18: € 71,7 milhões). A forma como o clube é conduzido é um exemplo de administração esportiva e se tornou até caso de estudo em uma das principais universidades de Gestão do mundo, o que se torna ainda mais louvável quando entendemos o contexto que o clube está inserido.

Contexto

Situado em cidade homônima com menos de 30 mil habitantes no País Basco, o Eibar sedia seus jogos no estádio Ipurua, com capacidade para aproximadamente 8 mil espectadores. À primeira vista pode parecer uma estrutura pequena, até comparativamente com outros estádios de Primeira e Segunda Divisão Espanhola, mas quando ponderamos que o Ipurua consegue abrigar cerca de 1/4 da cidade, percebe-se que ele é mais do que adequado para a demografia da região. Para efeito de comparação, se um estádio fosse construído para abrigar esta mesma parcela da população em São Paulo, por exemplo, deveria ter capacidade para mais de 3 milhões de pessoas.

Após conseguir o acesso à Segunda Divisão em 2014, o Eibar se tornou surpresa da competição ao brigar mais uma vez pelo acesso, desta vez à La Liga. À medida em que a subida de divisão se tornava mais concreta, o clube se viu em uma situação difícil para poder disputar a elite. Isto porque a lei espanhola Real Decreto 1251/1999 determina que as equipes profissionais devem ter um capital mínimo igual a 25% das despesas médias de todas as equipes da Segunda Divisão (excluindo os dois clubes com maiores e menores despesas).

O que deveria assegurar a estabilidade financeira dos clubes representou uma “punição pelo sucesso” ao Eibar que mantinha uma gestão responsável, sem dívidas, com salários em dia e baixas despesas muito baixas, ou seja, operando de acordo com suas condições. Com o acesso garantido foi lançado o programa de crowfunding Defienda al Eibar” que oferecia ações do clube em troca do financiamento.

A campanha deu certo e conseguiu arrecadar os €1,9 milhões necessários à tempo e cada pessoa que contribuiu com o programa passou a ter poder de voto, e hoje podem opinar em diversas decisões do clube que hoje conta com mais de 11 mil sócios de 65 países.

Gestão

O Eibar encerrou a temporada com o título da Segunda Divisão e acabou disputando a La Liga da temporada 2014/15, salto de patamar que não mudou sua gestão financeira austera, resumida pelo diretor esportivo, Fran Garagarza:

“A gestão financeira é fundamental para o nosso foco em todos os níveis. A ideia sempre foi: ‘ Se tenho cinco (euros), gasto quatro’.”, declarou em ao The Guardian

Hoje o clube basco é um dos únicos do país sem dívidas e se tornou estudo de caso na IESE (Escuela de Negocios de la Universidad de Navarra), uma das 10 melhores instituições de Negócios do mundo, e a melhor da Europa, segundo ranking do Financial Times. O estudo ressalta o “ ciclo virtuoso caracterizado por princípios imutáveis e gestão eficaz (equilíbrio financeiro e aplicação de excedentes)”.

Apesar de dispor de baixos orçamentos em temporadas consecutivas, o pequeno clube basco se manteve competitivo em uma das principais ligas do mundo, em diversas temporadas. Durante seus sete anos na elite, se manteve relativamente estável no meio da tabela com baixos orçamentos (tabela abaixo). Nesse período o elenco mais valioso em relação aos rivais, foi na temporada 2017/18 justamente quando obteve sua melhor colocação, € 71,7 mi, apenas o 15º mais caro da La Liga, segundo Transfermarkt.

Receita x desempenho financeiro nas últimas seis temporadas do Eibar (fonte: Demonstrativos SD Eibar/ montagem elaborada pelo autor)

Presidido desde 2016 por Amaia Gorostiza, uma das poucas mulheres em posição de comando na liga, o Eibar tem como sua principal fonte de receita a venda dos direitos televisivos, que chegou a representar 90% do arrecadado e hoje estaria na casa dos 64%, mas outras fontes de receitas tornaram relevantes nas últimas temporadas, com o aumento das vendas de atletas e das receitas comerciais.

Diversificação de receitas

Em sua maioria concentrada no mercado interno, o clube realizou suas maiores vendas a partir da temporada 2017/18, com a inédita ida de um para o exterior, mais especificamente do zagueiro Florian Lejeune para o Newcastle, por € 10 milhões. De lá para cá o Eibar arrecadou outros € 35 milhões, em grande parte pelas transações ocorridas na temporada 2019/20.

Na época, negociou Rúben Peña por € 8 milhões (para o Villarreal) e Joan Jordán por € 14 milhões (que foi para o Sevilla), esta última a maior venda da história do clube. Somadas às vendas de Marc Cucurella e Pablo Hervías, acumulou € 27 milhões em transações de atletas, representando 51% do arrecadado naquela temporada.

Os jogadores do Eibar também foram responsáveis por outras fontes de receita do clube, mas de forma indireta. A presença do japonês Takashi Inui no elenco entre 2015 e 2018 passou atrair grande audiência no país nipônico o que fez do Eibarterceira equipe mais assistida da liga, atrás apenas de Real Madrid e Barcelona no Japão.

Como consequência, o clube aproveitou e capitalizou toda essa popularidade a fechou patrocínio com a Hikoki, empresa japonesa de ferramentas elétricas (publicação abaixo), curiosamente alguns meses após a saída de Inui que se transferiu a Real Betis. O Eibar também criou um perfil oficial no Twitter  (@sdeibar_jp) e uma versão de seu site oficial totalmente em japonês para se aproximar dos seus fãs.

Inui acabou retornando ao clube em 2019 e agora tem a companhia de outro conterrâneo, Yoshinori Muto que atuou cedido por empréstimo até o final desta temporada 2020/21, o que aumentou a relevância do clube no Japão, como afirmou Jon Ander Ulazia, CEO do Eibar:

“Takashi (Inui) é o jogador mais seguido no Twitter do clube. Ele é tremendamente popular no Japão. Quanto a Muto, ele tem menos seguidores, mas está perto. O número de fãs que ele tem nas redes sociais aumentou por estar no clube. Ele traz uma grande dimensão nova. Isso ajuda a aumentar os números de popularidade”, disse à Forbes

Em 2020 o Eibar registrou aproximadamente € 4 milhões envolvendo receitas comerciais e publicidades.

Nem sempre o resultado em campo reflete a qualidade da gestão realizada fora dele, mas o Eibar, por mais temporadas do que o previsto, mostrou que pelo menos no seu caso, fez o dever de casa.