EURO 2020 – Holanda: Sonho leve, realidade pesada

Poucas seleções chegaram à Euro 2020 sob tanta desconfiança quanto a Holanda. Também, pudera. Afinal de contas, Frank de Boer foi um técnico olhado de modo negativo antes mesmo de começar o trabalho, pelas péssimas experiências anteriores. A ausência de Virgil van Dijk trazia alguma desconfiança sobre a zaga, mesmo com bons nomes no setor.

E os resultados prévios – na Liga das Nações, nas eliminatórias da Copa de 2022, até nos amistosos antes da Euro – mostravam um time que não rendia. A fase de grupos do torneio europeu, porém, rendeu um crédito momentâneo à Laranja. Até um sonho leve de ir longe. Sonho que acabou, diante da realidade pesada imposta com o 2 a 0 da República Tcheca nas oitavas de final. Uma vítima já é certa: Frank de Boer, demitido apenas dois dias depois da eliminação.

Talvez tenha parecido cruel demais. Afinal de contas, a ideia de jogar com três zagueiros, adotada por Frank durante os treinos pré-Euro no balneário português de Lagos, fazia sentido. Aumentava a proteção à defesa, a princípio, além de possibilitar que todos os zagueiros de destaque na Laranja (leiam-se Matthijs de Ligt, Stefan de Vrij e Daley Blind) tivessem espaço no time titular.

Sem contar que aproveitava melhor a tremenda vontade que Wout Weghorst apresentou em suas atuações: enquanto Memphis Depay circulava pelo ataque, o atacante alto servia como referência. Além do mais, de Boer soube mudar o que não estava bom antes da Euro: por exemplo, se Owen Wijndal decepcionou nos amistosos, Patrick van Aanholt recebeu a chance na lateral esquerda.

Tudo isso deu certo na fase de grupos. A Holanda não brilhou, não impressionou como a Itália, não teve a segurança apresentada pela Bélgica, mas conseguiu cumprir o esperado para ela no grupo C: três jogos, três vitórias. Mostrava algumas fragilidades defensivas, principalmente na chamada “recomposição defensiva” (o retorno para a marcação, após perder a posse de bola), mas elas eram contornadas pelas ótimas atuações de Frenkie de Jong e Georginio Wijnaldum.

Além do mais, se as atuações de Weghorst foram satisfatórias, Donyell Malen, testado contra a Macedônia do Norte, agradou até mais: se o camisa 19 da Holanda oferecia força física e capacidade de finalização – teve um gol contra a Ucrânia -, o camisa 18 foi veloz, habilidoso, fez um gol nos 2 a 0 sobre a Áustria, se entendeu às mil maravilhas com Memphis Depay durante os 3 a 0 sobre os norte-macedônios.

De quebra, Denzel Dumfries, que fora criticado após o primeiro amistoso pré-Euro (2 a 2 com a Escócia), se recompunha para ser um dos melhores laterais da fase de grupos: participação em cinco dos oito gols neerlandeses, pelo menos uma ótima atuação (no 3 a 2 da estreia contra a Ucrânia), avanços ofensivos até mais perigosos do que Dumfries costuma fazer no PSV. Se houve um dos 24 jogadores holandeses que terá alguma boa recordação desta Euro, foi o lateral direito da camisa 22. Ele simbolizava a leve confiança que a Holanda merecia. Nada que configurasse uma boa equipe, mas diante de adversários acessíveis, poderia ser suficiente para ir avançando.

Mesmo que estivesse passando mais dificuldades contra uma República Tcheca muito firme em campo, bem posicionada e aproveitando sua força física, a Holanda conseguia se segurar, conseguia manter seu estilo. Até que foi obrigada a sair dele, após três desastrosos minutos no segundo tempo: um erro de Malen que poderia ter rendido gol aos 52′, outro erro de de Ligt na defesa aos 55′ – o zagueiro caiu (e foi levemente empurrado por Patrik Schick), foi ingênuo ao por a mão na bola para impedir a jogada de gol, o VAR flagrou, e de Ligt foi expulso. Ingenuidade que até depõe contra um jogador promissor, apesar dos pesares.

Foi o que acendeu o pavio a explodir a bomba de erros holandeses. Frank de Boer tirou Malen (o melhor atacante holandês em campo até então, mesmo com o gol perdido) e colocou Quincy Promes, para que este fosse um “meia-esquerda” a ajudar o ataque, com Memphis isolado na frente. Nada disso aconteceu: com as laterais fragilizadas, a República Tcheca foi à frente com tudo. Sem um líder que pudesse acalmar as coisas dentro de campo, a Holanda se amedrontou. Sem boas atuações dos três mais técnicos do time (Wijnaldum, Frenkie de Jong, Memphis Depay), a Laranja se tornou presa fácil. Quando Tomas Holes coroou sua boa atuação com o 1 a 0 a queda holandesa se tornou um desastre esperando para acontecer. O segundo gol, de Patrik Schick, só confirmou isso.

A fase de grupos da Euro 2020 fez a Holanda oferecer a leve possibilidade de um sonho. A pesada realidade, com um time que desmoronou técnica e psicologicamente depois de se ver em situação adversa, se impôs já nas oitavas de final. Ser eliminado da Euro pode nem ter sido tão humilhante, mas o modo como a queda se deu, foi. Frank de Boer foi a primeira vítima. Mas não a única: mais gente saiu chamuscada.