Ligue 1 tenta se reposicionar de cara nova

Em todos os ramos da atividade econômica marcas bem trabalhadas são aspectos fundamentais para qualquer empresa, e no futebol não é diferente. Porém em um contexto de constantes mudanças econômicas e comportamentais, gerir uma marca se torna cada vez mais uma tarefa complexa.

A criação e desmantelamento da Superliga Europeia que mudaria o ecossistema do esporte surgiu em grande parte, por exemplo, pela percepção dos grandes clubes europeus em se adaptar e se tornar mais atraente para novos públicos, principalmente o jovem.

Com soluções menos extremistas, mas na mesma linha de raciocínio, o futebol francês parece buscar se reposicionar na mente de torcedores e consumidores (que as vezes são torcedores-consumidores). Porém, ao invés de estremecer relações com quase todos os stakeholders envolvidos com o futebol, a Ligue 1, primeira divisão do país, procura o caminho do rebranding e diminuição de participantes, em meio ao caos da negociação dos direitos de transmissão.

Contexto do futebol francês

O futebol francês se encontra em um contexto incômodo. Primeiro pelo imbróglio que envolve as transmissões de suas partidas que teve início quando a LFP (Liga de Futebol Profissional da França) optou pelo término antecipado da temporada 2019/20 afetada pela pandemia de coronavírus, enquanto seus “rivais diretos” — Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália — tiveram prosseguimento no calendário.

Esta escolha teve consequências diretas nos contratos assinados que previam a realização das partidas restantes, principalmente de patrocínios e direitos televisivos. No final do ano passado a empresa responsável pela transmissão da primeira e segunda divisão francesas, Mediapro, rompeu seu acordo o que representou perdas de € 585 milhões.

A notícia é considerada ainda pior porque quando assinado em 2018, o contrato — referente às transmissões dos anos de 2020 a 2024 — foi muito celebrado por haver representado um grande salto econômico (aumento de 60% em relação aos valores precedidos) para liga e clubes, que veem este acordo se desmantelar logo em seu primeiro ano de vigência.

Para piorar a LFP acordou a venda dos direitos de transmissão com a Amazon de oito jogos por rodada por € 275 milhões por temporada, enquanto o acordo prévio com o Canal Plus que transmitiria apenas duas partidas, era de € 330 milhões por temporada. Com um acordo desvantajoso, a emissora ameaça deixar de transmitir a competição.

Em segundo lugar, está no lugar que o campeonato francês ocupa dentro do ecossistema das cinco grandes ligas europeias (Premier League, La Liga, Bundesliga, Serie A e Ligue 1). Dentre elas a Ligue 1 é, historicamente, a que menos fatura e o que tem o menor porcentual de ocupação de seus estádios (veja imagem abaixo, da Annual Review of Football da Deloitte).

 

Esportivamente ainda, a visão de “falta de emoção” atrelada à Ligue 1 — senso comum de que as partidas têm menos gols do que outras ligas e falta de competitividade pelo título (haja vista as hegemonias de Lyon e Paris Saint-Germain em diferentes momentos do século) — influencia diretamente na queda do apelo da competição para diversos públicos.

O fato foi corroborado por pesquisa da SoFoot, realizada no ano passado quando o campeonato estava paralisado, que apenas 22% dos franceses sentia falta de assistir aos jogos da competição na televisão.

Rebranding

Para buscar alterar esta imagem diversas equipes, incluindo a própria liga, realizaram rebranding (reestruturação da construção de uma marca), mais especificamente dez clubes desde 2018. As modificações das identidades visuais (cores, formas, tipografia, etc.) de Lille, Toulouse, Nîmes Olympique, EA Guingamp, FC Nantes, Stade Reims (vídeo abaixo), Bordeaux, Angers, Monaco e Metz tiveram um ponto em comum: a simplificação dos escudos antigos.

Isso ocorre porque a os clubes que já possuem alcance global — Ligue 1 é transmitida para mais de 90 países em todos os continentes do mundo — pretendem expandir ainda mais suas marcas e um escudo minimalista, por exemplo, pode ajudar nesta tarefa. O Bordeaux que realizou seu rebranding ano passado, por exemplo, havia externado que a mudança ocorria devido à estratégia local (“fortalecer raízes locais”) e global (“conquistas novas regiões do mundo ainda em construção: Ásia, China em particular, e Estados Unidos”).

Para exemplificar esta tendência, vamos à um desafio: sem pesquisar, tente imaginar como você desenharia o escudo de um dos principais clubes do mudo, o Liverpool. Agora tente fazer o mesmo exercício se você tivesse que desenhar o emblema da Juventus, da Itália. Aí está a resposta. Para se tornar relevante e de fácil lembrança para diversos públicos, inclusive aqueles que nem necessariamente gostem tanto de futebol, os clubes tentam ser mais facilmente lembrados, ou seja, exploram a memorabilidade de suas marcas.

Utilizando-se geralmente de simplificações dos escudos antigos, os clubes exploram diversos elementos de marca: atratividade (cores fortes e imagens visuais e verbais ricas), transferibilidade (poder utilizar a marca em outros produtos, como por exemplo uma linha própria de roupas esportivas e licenciamentos) e adaptabilidade (possibilidade, por exemplo, do logo do Stade de Reims mudar de vermelho para branco dependendo do fundo usado, que permite maior adaptação).

Campeonato

Pensando no futuro a LFP aprovou no começo de junho em decisão praticamente unânime (97,28% dos votos à favor e apenas um contrário) pela redução do número de clubes na primeira divisão. A partir da temporada 2023/24 a Ligue 1 contará com 18 participantes ao invés de 20 atuais, sinalizando uma preocupação com o aumento de atratividade da liga e com as próximas negociações dos direitos televisivos:

“A mudança no formato das competições é o primeiro passo de uma reforma mais abrangente para promover a Ligue 1 e Ligue 2 em antecipação à próxima rodada de comercialização de direitos de TV pós-2024″, comunicou a LFP.

Esta mudança que implicaria no enxugamento do calendário, de 38 para 34 rodadas, segue uma premissa bem parecida com o que seguiria a Superliga Europeia: jogos entre as grandes equipes com maior frequência, para gerar maior interesse dos torcedores, buscando reposicionar a liga para um lugar de maior destaque.