Nem foi preciso a Euro 2020(+1) começar para que a sensação que se tem em relação às perspectivas da seleção masculina da Holanda no torneio continental de seleções piorasse ainda mais. Está certo que a Laranja nunca foi favorita real ao título europeu – até pelos próprios azares que a vitimaram no ano que se passou entre as eliminatórias e a fase final que está por começar.
A saída da Holanda de Ronald Koeman, as lesões de Memphis Depay e Donyell Malen – estas “resolvidas” pelo adiamento que a pandemia proporcionou – e a lesão de Virgil van Dijk. Mas estas duas semanas de reta final de preparação para a Euro fizeram com que as críticas e a falta de expectativas positivas dos holandeses aumentassem muito. E há um alvo preferencial delas: Frank de Boer, o técnico.
A bem da verdade, o ex-zagueiro já chegou sob pesada desconfiança. O mau desempenho na rápida passagem pela Internazionale, o trabalho pior ainda no Crystal Palace, a condução apenas mediana no Atlanta United: nada disso o fazia merecedor da escolha como sucessor de Ronald Koeman. Ela se deu, muito provavelmente, por de Boer ser o único técnico holandês palatável para a federação à disposição.
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Louis van Gaal encerrou a carreira e é personalista demais para o gosto da KNVB; Frank Rijkaard também parou; Erik ten Hag e Peter Bosz estavam empregados na época (como atualmente estão), e não aceitariam largar seus estáveis trabalhos; e Henk ten Cate, bem visto pelo grupo de jogadores, tem problemas prévios com a federação, além de estar afastado dos grandes centros desde que rumou para o Oriente Médio. Técnico estrangeiro? Ideia que causa certo estranhamento nos Países Baixos, atualmente…
Sobrou Frank de Boer. Que nunca conseguiu fazer da seleção masculina da Holanda o time consistente que ela ensaiava ser sob Ronald Koeman. Nem na Liga das Nações, nem nas rodadas que já ocorreram nas eliminatórias da Copa de 2022.
Na convocação final dos 26 nomes que ficarão à disposição para a Euro, houve novidades bem vindas: as apostas no zagueiro Jurriën Timber e no atacante Cody Gakpo – ambos sem nenhuma partida oficial pela seleção -, a merecida lembrança do atacante Wout Weghorst, a confirmação da reabilitação do veterano Maarten Stekelenburg no gol, até mesmo a ausência do contestado Ryan Babel. Não adiantou: nem isso fez De Boer receber mais sorrisos. Falou-se mais nas ausências – principalmente as de Hans Hateboer (esta, justificada pela lesão do lateral no pé) e Steven Bergwijn.
O pior é que, da convocação em diante, o técnico está dando motivos para as críticas. Começando na resolução da lista final: nomes ejetados após a pré-convocação, como o zagueiro Jeremiah St. Juste e o atacante Anwar El Ghazi, só teriam sabido que estariam fora da Euro quando houve a divulgação dos chamados – até hoje De Boer não foi claro se os comunicou previamente ou não.
Depois, na entrevista coletiva sobre o anúncio, o técnico justificou a vinda de Donny van de Beek afirmando que ele não jogara tão pouco quanto parecia no Manchester United, que tivera “cerca de 4000 minutos em campo”, só para depois se revelar que ele confundira os dados de Van de Beek com o de outro meio-campista, Davy Klaassen (este, sim, próximo dos 4000 minutos – Van de Beek atuou exatos 1456 minutos pelo United em 2020/21).
Veio a viagem no domingo retrasado, 30 de maio, para o balneário português de Lagos, onde a Laranja passou uma semana treinando, além dos amistosos contra Escócia (dia 2) e Geórgia (dia 6). Logo o que já se supunha ficou claro: Frank de Boer alteraria o esquema holandês em campo, passando a escalar cinco jogadores na defesa. Mais dúvidas: afinal, a seleção não atua assim desde 2018, nos primeiros tempos sob Ronald Koeman.
Daí, ainda na sexta-feira retrasada, a notícia de que Jasper Cillessen, o provável goleiro titular da Holanda na Euro, testara positivo para o novo coronavírus. E todas as consequências do resultado: a polêmica decisão de Frank de Boer pelo corte de Cillessen, anunciado na terça passada – e a reação irritada do goleiro, em declarações ao diário holandês “De Telegraaf“, falando que De Boer não lhe indicara o corte. Ao contrário: segundo Cillessen, ele seria integrado à delegação tão logo testasse negativo.
As dúvidas sobre Frank de Boer só pioraram com a atuação preocupante no 2 a 2 com a Escócia, quarta-feira passada, já na tática do 5-3-2. Para completar, a coletiva pós-jogo trouxe mais uma gafe: ao comentar sobre as sugestões para escalar Quincy Promes como ala, dada a má atuação de Denzel Dumfries na partida, o técnico confundiu Quincy com… Queensy Menig, atacante do Twente, que sequer passa perto das convocações da seleção. Só mais um erro que aumentou o clima deflagrado de “joga pedra no De Boer“.
Nem tudo é culpa do técnico, é verdade. No citado amistoso contra os escoceses, os dois laterais foram mal: Denzel Dumfries na direita, Owen Wijndal na esquerda, nenhum deles foi veloz no apoio, nenhum deles foi confiável na marcação. No ataque, Wout Weghorst foi quase invisível, e a dependência pesada de Memphis Depay ficou clara (pelo menos o atacante a justificou, com os dois gols holandeses no empate). E até mesmo num dos gols escoceses, Tim Krul mostrou fragilidade na bola vinda de fora da área. De positivo, no empate, só a segura atuação do jovem Jurriën Timber, em sua estreia pela seleção, a 15 dias de completar 20 anos de idade.
A vitória por 3 a 0 sobre a Geórgia, neste domingo, já de volta à Holanda, no último amistoso antes da estreia na Euro, seguiu sem convencer quem acompanha a seleção. Certo, houve melhoras: Memphis Depay seguiu como destaque, Dumfries foi bem mais ativo na direita, Weghorst brilhou com um gol e muita vontade (a ponto de boa parte dos 7.500 torcedores presentes gritar seu nome), o time melhorou com três atacantes e entradas como as de Ryan Gravenberch, mais um jovem promissor.
Ainda assim, a defesa continuou mostrando fragilidade, dando a impressão de que será facilmente vazada por qualquer adversário que tenha um ataque mais forte e eficiente. Para piorar, no sábado passado, Matthijs de Ligt saiu do treino se queixando de dores na virilha – e será avaliado “dia a dia” na evolução da recuperação.
Enfim, Frank de Boer acaba levando culpas que não são só dele, sofre com os grandes azares que aparecem, talvez seja criticado até pelo que não merece tanta atenção. Ainda assim, é o principal símbolo da forte impressão de que a Holanda pode até passar da fase de grupos, mas terá vida curta na Euro 2020(+1).
A única fonte de esperança é pensar que a mesma impressão ruim rondava a Laranja antes da Copa de 2014, na qual também se atuou com cinco homens na defesa e também se fez uma semana de treinos em Portugal… para, no fim, a seleção neerlandesa conseguir um elogiável terceiro lugar. A tentativa de uma nova reversão de expectativas começa no próximo domingo, em Amsterdã, na Euro, contra a Ucrânia.