Neste domingo (16), a Fiorentina perdeu para o Napoli, por 2 a 0, em duelo válido pela 37ª rodada da Serie A. Para a Viola, o confronto não impactava em termos de tabela – diferentemente dos napolitanos, que recuperaram um posto na zona de classificação para a Champions League e, agora, dependem só de si para garantirem a vaga. No entanto, a principal notícia da semana envolvendo a Fiorentina não vem do gramado do Artemio Franchi. Ainda na sexta-feira (14), Rocco Commisso, o presidente do clube, declarou uma verdadeira guerra contra a… imprensa.
Em entrevista coletiva – que parecia mais um monólogo – com mais de uma hora e meia de duração, Commisso atacou jornalistas e defendeu sua gestão, que completará dois anos em breve, à frente do clube violeta. As falas do ítalo-americano repercutiram por toda a Itália. Em Florença, sua postura dividiu torcedores e revoltou os profissionais de imprensa. Mas, afinal, qual foi o propósito deste discurso de Rocco Commisso?
CONFERENZA STAMPA 🎙️
Venerdì 14 maggio, alle ore 11:00, si terrà la conferenza stampa del Presidente Rocco Commisso ⚜️#ForzaViola 💜 #Fiorentina pic.twitter.com/OpKiAvbEl8
— ACF Fiorentina (@acffiorentina) May 13, 2021
Ânimos exaltados!
A coletiva de imprensa do dia 14 já estava marcada há dias. A mídia local especulava qual seria o grande anúncio do presidente da Fiorentina: Informações sobre o futuro do clube? A questão (interminável) do novo estádio? Ou um balanço da atual temporada que vai chegando ao fim? Além disso, cogitava-se também a renovação de Daniele Pradè, diretor de futebol da Fiorentina – e muito contestado pela torcida.
No fim, não foi nada disso. Entre uma pista ou outra a respeito de seus próximos passos, Commisso utilizou o tempo da coletiva para confrontar a imprensa. Escorado, talvez, na permanência da Viola na Serie A – que só foi confirmada na última quarta (12), após a 35ª rodada – o cartola falou em tom de desabafo: reclamou dos ataques que ele e sua família sofrem da imprensa e chamou alguns jornalistas de mentirosos.
Commisso ainda ameaçou barrar a entrada desses profissionais no Estádio Artemio Franchi e no CT de treinamento. Em tom irônico, também ameaçou vender o clube a algum dos presentes na coletiva e que pudesse “fazer melhor do que ele”. Bastaria, nas palavras de Rocco, “depositar 35 milhões de euros como entrada, nos próximos 10 dias”.
Tornou-se costume ao longo da temporada – principalmente neste final – ouvirmos o presidente da Fiorentina falar somente após as vitórias. E, dessa vez, ele tinha muito para compartilhar com os jornalistas presentes na coletiva. Temas que, não necessariamente, interessam à torcida.
“Os jornalistas não querem ofender os colegas, mas são os primeiros a ofender a mim, à minha família, aos meus jogadores. Os meus jogadores são bons, melhores do que se pensa. Todos os dias leio coisas horríveis” – Rocco Commiso, presidente da Fiorentina
“Dinheiro, dinheiro, dinheiro!”
Um dos tópicos mais recorrentes na fala de Commisso envolviam cifras. O ítalo-americano não teve o menor constrangimento de revelar os gastos, investimentos e prejuízos que a Fiorentina proporcionou até agora – muitos, devido a pandemia de Covid-19. Rocco ainda se comparou a outros cartolas e antecessores no comando da Fiorentina. “Quem pagou mais? Quem investiu? E quem fez isso e aquilo? Fui eu!”
Em um show de arrogância e auto-promoção, o presidente praticamente não analisou as próprias decisões (e da diretoria que o cerca) ao longo da temporada. A torcida ficou sem saber o que tem a dizer Commisso sobre as fracassadas contratações de Kokorin e Malcuit em janeiro. E Callejón? O “substituto” de Chiesa, que mal joga? Qual a justificativa para mercados tão fracos?
Isso não entrou em pauta. Sobre escolhas técnicas, Commisso se limitou a agradecer (e muito!) Giusepppe Iachini por salvar a Fiorentina do rebaixamento pelo segundo ano consecutivo. E mais. Ainda afirmou que demitiu Beppe, no início da temporada, por pressão da imprensa. O único “erro” assumido teria sido culpa, então, dos jornalistas de Florença?
Em 2019, quando chegou à cidade, Commisso foi bem recebido. Emplacou o lema “rápido, rápido, rápido” para agradar torcedores impacientes com a morosidade do clube nos últimos anos. Contudo, agora, o clube estagnou. Como uma das últimas cartas na manga, resta ao dirigente apelar para a questão financeira – apostando que a torcida se renderá diante de sua fortuna.
“Todos vocês amam a Fiorentina, todos vocês têm dinheiro, então vamos ver quanto vocês podem pagar para comprar o clube […] Quero voltar aos EUA e vender a Fiorentina aos florentinos. Mas vocês têm que fazer o que eu fiz. Devem pagar um depósito de € 35 milhões em dez dias. Eu lhe dou esta oportunidade” – Rocco Commisso, presidente da Fiorentina
Opiniões dividas
Por mais que Rocco Commisso afirme que recebeu o carinho dos torcedores locais após seu “xilique” com a imprensa, fato é que as declarações não convenceram a todos na cidade. Ao atribuir culpa da péssima (e duradoura) fase da Fiorentina à mídia, ele tirou de si uma responsabilidade totalmente indissolúvel de seu cargo. Afinal, o ítalo-americano é o chefe. É quem toma as decisões no clube.
Por mais que o jornalismo esportivo possa ser oportunista e impreciso (como é, em qualquer lugar do mundo), não é justificável promover uma guerra forçada com a imprensa. Certamente, todos nós concordamos que Commisso tem, sim, direito de defender seus pensamentos frente aos jornalistas, questioná-los e até criticá-los, em determinadas ocasiões. E, claro, ele pode sempre exigir ser tratado com respeito. Como deve.
No entanto, isso precisa ser feito de maneira ponderada – e acompanhado de argumentos plausíveis. O discurso precisa vir acompanhado de uma pequena auto-crítica, que seja. Se não, soa como maniqueísmo plantado. “Eu sou bonzinho e a imprensa é vilã”. Há quem compre essa ideia. Mas nem todo mundo. Não à toa, uma faixa colocada no Artemio Franchi clama para que a “sociedade” (ou seja, o clube) tome para si as responsabilidades que tem. Ou seja, “chega de desculpinhas”.
Já os Sindicatos de Imprensa de toda a Itália condenaram o “autoritarismo” de Commisso. Vale dizer, também, que o presidente se recusou a responder uma pergunta do Corriere Fiorentino e ainda insinuou uma ligação do jornal com o atual presidente do Torino, Urbano Cairo. Acusações fortes, postura intransigente e ódio destilado. Combinação que não pegou bem para o “chefão” da Fiorentina.
O Lado de Commisso
Por falar em “chefão”, esta foi mais uma crítica que Commisso fez aos veículos de imprensa. Já um pouco mais calmo, em vídeo divulgado pela própria Fiorentina, ele reclamou especificamente da Gazzetta dello Sport e do uso de um estereótipo ítalo-americano para se referir a ele. Inspirada nos filmes de Franis Coppola ou Martin Scorcese, o periódico apelidou Commisso de “Don Rocco” (em alusão a “Don Corleone”, do filme ‘O Poderoso Chefão’).
A associação com um “gangster” não agradou o presidente, nem seu braço direito, Joe Barone, que também se pronunciou sobre o caso. Neste tópico, vejo razão de descontentamento, afinal, ninguém quer ser comparado com um mafioso. De fato, é nesses momentos que podemos questionar os recursos do jornalismo esportivo e sua gana por mesclar, incessantemente, informação, análise e entretenimento.
Dito isso, o presidente da Viola também precisa se ajudar. Menos energia gasta com guerras pessoais e mais ações pela instituição. Críticas são parte deste ambiente, ou será que o ítalo-americano não sabia? Em menos de dois anos, o conto de fadas florentino vai se transformando em pesadelo. Dentro de campo, uma equipe impotente e que não faz mais que apenas se manter na elite do futebol italiano. Fora dele, um presidente que dá demonstrações de desempero e despreparo frente à uma grande instituição.
“A Gazzetta dello Sport mortificou, desonrou e humilhou todos os ítalo-americanos com o estereótipo clássico de que lutamos contra toda a nossa vida nos Estados Unidos […] Nós, que fomos para a América vindos da Itália e do Sul, queremos ser respeitados” – Joe Barone, dirigente da Fiorentina
— ACF Fiorentina (@acffiorentina) May 16, 2021
O que foi dito “de útil’?
Em meio aos ataques direionados à imprensa e falas para promover sua gestão, Rocco Commisso deixou algumas pistas. Algumas, porém, inconclusas. Giuseppe Iachini, de fato, não permanece no cargo de treinador ao final da temporada. Quanto a Dusan Vlahovic, o presidente expressou desejo de manter o jovem atacante e afirmou que fará o possível para o acerto acontecer.
Rocco ainda falou que se encontraria em breve com o prefeito de Florença, Dario Nardella, para tratar da qeustão do novo estádio – cujo projeto segue emperrado por conta das burocracias italianas. Tudo isso acontece antes do presidente retornar aos Estados Unidos. Enquanto isso, a Fiorentina encerra sua temporada contra o Crotone, fora de casa, no próximo dia 23
E o jogo…?
Afetada, talvez, pelo discurso enérgico de Rocco Commisso, a Fiorentina entrou pilhada, neste domingo (16) para enfrentar o Napoli. Dessa forma, igualou as ações no 1º tempo, mesmo sem grandes pretensões na partida. No entanto, um pênalti logo no início da etapa final desmontou a equipe roxa. Insigne marcou no rebote da batida e abriu o placar. Depois, o time do treinador Gattuso – monitorado pela Viola para a próxima temporada – ampliou com Zielinski. Sem mais grande emoções, o placar ficou selado em 2 a 0.
Agora, os napolitanos pulam para ao 3º lugar da Serie A, com 76 pontos. Um ponto a frente, portanto, da Juventus, que volta ao 4º posto. Sendo assim, o Napoli depende somente de si na última rodada contra o Verona para garantir classificação à Champions League. Já a Juve vai precisar torcer por tropeços ou de Napoli ou do Milan, ainda na briga. Já a Fiorentina se manteve na melancólica 13ª colocação, com 39 pontos. Sem chances de rebaixamento, a Viola mira a próxima temporada.