A frustrada tentativa de criação da Superliga de clubes na Europa trouxe à tona uma série de debates em relação ao futebol, mas especialmente um dele me chamou a atenção: a ideia de que os campeonatos nacionais são competições desinteressantes. Vamos então falar um pouco sobre este tema
UEFA president Aleksander Čeferin: “I would like to congratulate @ECAEurope for choosing Nasser as their new chairman.” pic.twitter.com/cheBiwvd97
— UEFA (@UEFA) April 21, 2021
Os Campeonatos Nacionais
A ideia de que os campeonatos nacionais estão em declínio nasce da constatação de que são poucos os clubes em cada país capazes de serem campeões. Na Espanha, quando a disputa sai da dupla Barcelona e Real Madrid, há um grande susto. Assim como na França quando PSG não vence, ou na Alemanha quando o Bayern não conquista o título. Mesma coisa na Itália, que viu a Juventus vencer 9 vezes seguidas.
“As ligas nacionais são chatas e previsíveis”.
Na Inglaterra há pelo menos 4 clubes que se revezam nas conquistas recentemente, com alguns outros crescendo e ocupando espaço no topo da tabela. Na Itália o domínio tão grande da Juventus não é comum, pois nas últimas décadas havia maior presença de Milan e Inter, que voltou a vencer. Além disso, o domínio da Vecchia Signora, associado ao declínio da dupla de Milão, fez com que outros clubes crescessem, como Roma, Atalanta, Napoli, Lazio, tornando a competição altamente disputada.
Mesmo na Alemanha a chegada do RB Leipzig trouxe maior disputa à Bundesliga, ainda que o resultado não tenha mudado.
O debate sobre a relevância dos campeonatos nacionais ocorre muito mais fora que dentro dos países. Na França há um desconforto enorme com a possibilidade do PSG não se sagrar campeão, assim como os torcedores da Juventus não estão conformados em não vencer a 10ª competição seguida. Os nerazzuri da Inter já fazem conta para conquistar o 20º título e sua segunda estrela – na Itália o clube ganha o direito de colocar uma estrela acima do escudo a cada 10 títulos nacionais conquistados – e os milanistas ficaram frustrados por deixar escapar a liderança mantida por muito tempo.
O torcedor quer vencer, inclusive porque sabe que a conquista de competições continentais é complicada. Chegar à Champions League (UCL) é uma conquista, disputá-la é um prazer, mas a conquista possível é sempre a da competição local. Aliás, chegar à Champions é o objetivo de todos, não apenas porque se pretende vencê-la, mas porque traz um dinheiro relevante aos cofres dos clubes participantes.
Assim, se somarmos a premiação pela colocação final no campeonato com a premiação vinda da UEFA pela UCL, então teremos um enorme incentivo para que os clubes cheguem à competição continental. E mais: para quem costuma estar nadisputa pela “taça das grandes orelhas”, não se classificar deixa um rombo considerável nas contas.
Na tabela abaixo traremos um exemplo a partir da Serie A italiana.
A primeira coluna temos os valores pagos em função da performance na competição nacional, e na segunda coluna os valores pagos pela UEFA no chamado “Market Pool”, que é o modelo de distribuição dos valores de direitos de transmissão da competição. Ele está baseado no valor que cada país contribui na formação do bolo. Ou seja, os valores pagos aos clubes italianos estão relacionado a quanto a UEFA arrecada com a venda de direitos de transmissão no país, assim como ingleses recebem de acordo com os valores de vendas de direitos da UCL na Inglaterra e assim para todos os países.
Por exemplo, o campeão da Premier League recebe € 21,2 milhões inicialmente, contra os € 10 milhões do campeão da Serie A.
Além disso, cada vitória ou empate na fase de grupos da UCL gera valores adicionais, assim como as classificações para as fases seguintes.
Além disso ainda há um valor baseado no ranking geral da UEFA, que garante um máximo de € 35,5 milhões ao primeiro do Ranking (Real Madrid), e chegando a € 1 milhão para os clubes que ficam no final do ranking.
Tudo isso para mostrar que tem muito dinheiro além do título. Para terem uma ideia, a Juventus corre o risco de não se classificar para a próxima UCL, o que resultaria numa perda de mais de € 100 milhões, considerando valores de TV, bônus de marketing e bilheteria, que todos esperamos voltem a se realizar em breve.
Daí você imagina que o torcedor está muito feliz, ou desinteressado porque afinal o campeonato não vale nada. Sei. Conversa de quem vive distante da realidade.
Aliás, conversa que levou muita gente a comparar os campeonatos nacionais aos Estaduais brasileiros, o que não faz o menor sentido, por diversos motivos. Primeiro porque são Nacionais, e se comparam ao Brasileiro. Ou alguém acha que ser campeão francês tem o mesmo peso de ser campeão paulista?
A ideia da Superliga, associada à previsibilidade de algumas competições nacionais, gerou esta comparação equivocada. No Brasil os Estaduais são um prêmio de consolação, enquanto na Europa os Nacionais são o campeonato a ser conquistado, e talvez virem prêmio de consolação quando um rival vence a UCL.
Ao mesmo tempo, tanto os Nacionais europeus como os Estaduais brasileiros precisam ser repensados e ajustados. Não cabe uma competição no Brasil que consome parte da temporadacom os clubes das Séries A e B, quando poderia ser usada o ano todo para manter em funcionamento os clubes que não disputam as competições nacionais. Vale a mesma coisa para os Nacionais, que deveriam reduzir de tamanho, diminuindo a quantidade de clubes que representam pouquíssimo desafio. Mas tantos esses como os brasileiros dos estaduais precisam ser mantidos em funcionamento e oxigenando as estruturas de base do futebol. Essa é a única comparação possível.
Enquanto isso, deixa os clubes correrem atrás da grana, e os torcedores se divertirem como quiserem.