De potência no início do século para um calvário sem fim: o que aconteceu com o Deportivo La Coruña?

Como esquecer aquele Deportivo que encantou no futebol espanhol no início do Século? Quem viveu e viu aquele timaço encabeçado por Djalminha e Mauro Silva que arrasava seus adversários no Campeonato Espanhol, conquistando seu primeiro e único título nacional na Liga, não poderia acreditar que a pior crise econômica da história chegou 20 anos depois para esse clube. E o pior, o Deportivo vive um calvário sem fim na Terceira Divisão da Espanha. Isso mesmo. Um dos melhores times do início do século, que até nas semifinais da Liga dos Campeões chegou, hoje é só uma lembrança.

Mas o que aconteceu para o Estádio Riazor, cenário de muitas alegrias naquela época, se tornar um ambiente triste, que convive ano após ano com uma queda sem precedentes. Estaria chegando ao fim a história do Deportivo? Tentaremos entender um pouco disso que aconteceu.

O APOGEU DE UM CLUBE DA GALÍCIA

Para entender o que houve com o Deportivo, primeiro é preciso explicar brevemente sua história. Criado em 1906, na cidade de Corunha, na Galícia, o clube passou muitos anos por divisões menores, até iniciar seu ápice na década de 90. Após conquistar títulos das divisões inferiores, o clube chegou a primeira conquista de expressão em 1994/95, a Copa do Rei, tendo como jogadores-chaves Cláudio, Aldana, Fran, Mauro Silva e Bebeto. A equipe era comandada por Arsenio Iglesias, e nesse período ainda foi vice-campeão nacional e faturou sua primeira Supercopa da Espanha. Mas como um modesto clube chegou até esse nível? O responsável possui nome e sobrenome: Augusto César Lendoiro.

Ele foi o presidente que transformou o Deportivo numa potência nacional, no início da década de 90. Foram 25 anos comandando o clube, desde 1989 até sua saída em 2014. Mas ao mesmo tempo que Lendoiro fez o clube um dos mais fortes da Europa – tendo entre suas principais frustrações não conquistar um título europeu, mesmo chegando perto tanto na extinta Copa da Uefa, como na Liga dos Campeões – também foi responsável pelas dívidas exorbitantes que hoje rondam por Riazor.

Os problemas financeiros com investimentos altos nesse período vieram à tona no início de 2010. Em 2013, um ano antes da saída de Lendoiro, o clube abriu o processo de concordata e não chegou à Terceira Divisão, já naquela época, porque conseguiu quitar os débitos que giravam em torno de 10 milhões de euros, no último dia possível. Ali, já sabia-se que o futuro era nefasto, pois as dívidas se acumulavam em 160 milhões de euros, considerado um recorde na Espanha, até os dias de hoje. O Deportivo se apegou a boa vontade aplicada pela Justiça do país que costuma “ajudar” os clubes, diminuindo o temor e acreditando que dias melhores poderiam vir. Mas nada disso aconteceu.

A DERROCADA SEM FIM

Aquele Deportivo semifinalista da Liga dos Campeões de 2003/04 não existe mais. E dificilmente voltará. Aquela fatídica eliminação deixou mazelas no clube. Lendoiro afirmou por diversas vezes que uma arbitragem tenebrosa e tendenciosa arruinou o sonho do clube de chegar ao patamar mais alto na Europa. A derrota, em pleno Riazor, por 1 a 0, para o Porto – campeão daquela edição – nunca foi engolida dentro do clube. E Lendoiro nunca esqueceu também. Ali, ele acredita que era o começo do fim para o Deportivo.

O clube ainda viveu anos, digamos assim, interessantes. Mas sempre coadjuvante e depois protagonistas de seu próprio fracasso. Na temporada seguinte participou novamente da Liga dos Campeões. Em 08/09 esteve na Copa da Uefa (atual Liga Europa). Ainda participou da extinta Copa Intertoto 

Em 2011 teve a queda sacramentada, mas retornou no ano seguinte. Para muitos aquilo tinha sido só um acidente de percurso, mas Lendoiro sabia o que ainda estava por vir. Em 2014, o empresário Tino Fernández, dono de 6% das ações do Deportivo, virou o novo presidente. E conseguiu de certo modo ajudar, contornando a crise financeira. As dívidas caíram para 80 milhões de euros, metade do que o clube devia. Mas dentro de campo, nada deu certo e novo rebaixamento foi confirmado, já no mesmo ano.

O FUNDO DO POÇO NO MEIO DA PANDEMIA

Depois de tantos anos gloriosos, o Deportivo se tornou time para fazer figuração na La Liga e para ser protagonista da Segunda Divisão. Ao subir mais uma vez, o clube conviveu três anos ainda com o fantasma da degola. A felicidade de sua torcida vinha só com os acessos para elite. Fora de uma competição europeia desde 2008, a maior conquista de um clube que comandou a Espanha junto com os gigantes Real Madrid e Barcelona, dos anos 90 ao início do século, nos últimos 13 anos foi conquistar em 2011/12 o título da segundona.

E o maior vexame veio em meio a pandemia da Covid-19. Na temporada 19/20, paralisada por causa do problema de saúde mundial, o Deportivo sequer esteve em campo no fatídico 20 de julho de 2020. Os rivais diretos Lugo e Albacete venceram suas partidas e sacramentaram o pior momento do clube nos últimos 30 anos. Se achavam que estar na Segunda era o fundo do poço, o Deportista teve certeza que existe algo ainda mais profundo.

CENÁRIO ATUAL NÃO É ANIMADOR

As dívidas do clube ainda não se esgotaram. O presidente do clube, Antonio Couceiro, afirma que estão controladas, mas o orçamento modesto impede que o Deportivo consiga investir. Hoje a média de idade do elenco é de apenas 24 anos. Um clube que sempre teve estrelas brasileiras, hoje conta com o jovem Rai Nascimento apenas no plantel.

A Segundona não pareceu ser o grande objetivo. Em determinado momento, o Deportivo chegou a lutar por sua permanência na Terceira. A equipe acabou a fase classificatória em 4º lugar e se safou. Se tivesse encerrado entre o 7º e 10º lugar, a equipe automaticamente iria jogar a Quarta Divisão. E não só isso. Ali disputaria um torneio com outros oito clubes, necessitando ficar entre os quatro primeiros para não parar na Quinta Divisão.

Como explicado acima, o fundo do poço parece que nunca vai chegar. Ao torcedor do Deportivo fica o sentimento de alívio por não ir parar na 5ª divisão. E rezar por dias melhores pela frente.

BRASILEIROS NA HISTÓRIA

O Super-La Coruña, como chegou a ser conhecido pelos dias de glórias, teve participação direta de brasileiros, como não poderia ser diferente. O maior artilheiro da equipe na La Liga é ninguém menos do que Bebeto. O tetracampeão do mundo pela Seleção Brasileira – inclusive como jogador do clube espanhol – marcou 86 gols em 131 partidas, cinco a mais que o holandês Roy Makaay, segundo maior artilheiro e um dos principais nomes do time campeão espanhol no ano de 2000. O oitavo do ranking é Djalminha, com 36 gols.

Bebeto também foi o primeiro jogador do clube, na temporada 1992/93 a ser artilheiro da Liga com 29 gols, levando o Deportivo ao 3º lugar.

Além deles, Mauro Silva é o segundo jogador da história do clube com mais partidas em competições europeias: 59 jogos, atrás apenas do espanhol Fran, com 66 atuações.

Outro brasiliero com história no clube é o saudoso treinador Carlos Alberto Silva, que ficou com o 3º lugar da Liga no comando técnico do clube. Rivaldo também teve grande destaque até chegar ao Barcelona e se tornar o melhor jogador do mundo em 1999.

DERBI GALEGO

O maior rival do Deportivo é o Celta de Vigo, hoje comandado pelo técnico argentino Eduardo Coudet, ex-Internacional, e que disputa a Primeira Divisão. Os números gerais, dão uma leve vantagem para a equipe de Vigo, que venceu 50 jogos contra 45 do time de Coruña. Ao todo foram 30 empates. O Deportivo leva vantagem em confrontos pela La Liga com 30 vitórias contra 25 do Celta. 

A fase atual do Deportivo é tão ruim que a equipe teve que se contentar com um confronto diante do Celta B pela Terceira Divisão na atual temporada. Em casa, derrota por 2 a 1 e fora de casa triunfo por 3 a 0, nas últimas rodadas, que livraram de vez o time de Coruña do fantasma da degola, mas em nada impediram a classificação em primeiro lugar da equipe B de Vigo.

Até nisso, a crise do Deportivo parece que não vai ter fim. Os torcedores seguem acreditando que dias melhores estão por vir. Agora é só aguardar pela temporada 2021/22.