Nasceu a Superliga de clubes europeus. Guiados por dirigentes gananciosos e muitas vezes incompetentes, 12 dos clubes supostamente mais importantes da Europa se juntam para organizar uma competição única, a “NBA do futebol”, uma daquelas bobagens que ficam bonitas nas manchetes, mas que carecem de consistência quando se aprofunda o tema.
Considerando que o tema acabou de vir à tona, e ainda há muito a ser desenvolvido ao longo dos próximos dias, semanas e talvez meses, nesta coluna deixarei alguns pontos que talvez ajudem a entender o que esta Superliga representa.
UEFA, the English Football Association, the Premier League, the Royal Spanish Football Federation (RFEF), LaLiga, the Italian Football Federation (FIGC) and Lega Serie A have today released a statement.
Read it in full here: 👇
— UEFA (@UEFA) April 18, 2021
REALIDADE: O FUTEBOL PRECISA DE MUDANÇAS
Começamos com uma constatação: hoje há muitas partidas, seja de clubes, seja de seleções nacionais. As ligas nacionais deveriam reduzir seus tamanhos para 18 ou 16 clubes, tornando-as mais equilibradas. Hoje há muitas partidas desinteressantes, que apenas contribuem para o desgaste dos atletas e da imagem dos clubes. Falamos de excesso de oferta, e voltarei a isso mais adiante.
Países como a Inglaterra ainda tem muitas Copas, que aumenta a pressão sobre clubes e atletas. Ainda tem a ideia de um grande mundial de clubes de tempos em tempos. E as seleções nacionais jogam muito: eliminatórias da Euro, Euro, eliminatórias da Copa do Mundo, Copa do Mundo, Nations League. É muita competição, muito jogo, e os atletas não aguentam.
Logo, uma mudança nessas estruturas, que inclua um limite máximo de partidas por ano – 50? 60? – parece muito saudável. Com menos partidas reduz a chance de contusão, sobra mais tempo para treinamentos e isso significa maior qualidade de jogo.
E tem a questão financeira, que aliás vai na contramão do que se prega, que é uma distribuição mais equilibrada para fomentar um esporte mais equilibrado. Mas que sim, deve garantir recursos nas mãos dos clubes.
Ou seja, o futebol precisa de uma reavaliação geral. Mas daí chegamos à Superliga.
12 GRANDES?
Não, não são 12 grandes. Talvez sejam 12 clubes com história, com bom número de fãs espalhados pelo mundo, mas esportivamente temos alguns clubes que já deixaram de ser relevantes continentalmente, e até nacionalmente. Por responsabilidade dos seus próprios gestores, que agora aplicam uma espécie de golpe para voltar à relevância.
Arsenal, Tottenham, Milan, Inter, Atlético de Madrid são coadjuvantes há anos nas competições que disputam. Conseguem algum resultado positivo em copas nacionais, pouco relevantes, ou na Europa League, que apesar de interessante é a “Série B” da Europa.
Se incluirmos a Juventus, que conseguiu a proeza de ser eliminada nas últimas 3 Champions League por clubes de expressão e poder financeiro muito menores, então temos metade da suposta elite do futebol mundial formada por cavalos desdentados. Clubes que foram se autodestruindo ao longo do tempo, ou simplesmente nunca alcançaram a força que acreditam ter.
A Juventus cresceu escorada em CR7, o Milan de Gazidis só encontrou seu caminho com a chegada do veterano Ibrahimovic, pois o mesmo modelo de negociação de atletas que ajudou a derrubar o Arsenal estava levando o clube ao fiasco. A Inter chega pronta para um título com um treinador milionário que vive às turras com os donos. Leicester e Everton já deixaram o Arsenal e o Tottenham comendo poeira, e o Atlético de Madrid é lembrado quando joga feio ou raramente quando briga pelo título espanhol.
ARROGÂNCIA
O mais curioso é que os 12 clubes resolveram que são donos únicos do espetáculo, e então farão uma grande competição, a “NBA do Futebol”, relegando os demais ao ostracismo. Pois bem, considerando que serão a NBA, é sempre bom lembrar que assim como há LA Lakers and Golden State Warriors, há o Charlote Hornets, que já foi Bobcats, e que nunca venceu uma competição. Sobrevive feliz e contente com a grana que recebe, seu torcedor agradece a chance de ver times fortes quando jogam em Charlotte e tudo é uma festa.
Será assim quando alguns torcedores descobrirem que seus clubes fazem parte de uma elite forçada, mas nunca mais serão campeões? Porque a arrogância é tanta que acreditam que manterão todas as possibilidades de partidas nacionais, com o mesmo dinheiro que recebem hoje, mas colocando os adversários num patamar abaixo, na posição de meros mortais.
Acreditam mesmo que poderão contar com a benevolência dos demais clubes, excluídos pela insignificância.
FATOR ESCASSEZ
Os clubes da Superliga defendem que o modelo garante partidas de elevado interesse comercial e técnico, o que tornaria a competição claramente um sucesso. Pois bem, o segredo do sucesso da Champions League é ter uma primeira fase mais leve, para garantir evolução e preparação aos clubes para que possam chegar às oitavas-de-final técnica e fisicamente prontos para a disputa mais dura.
É a expectativa por essas fases que faz a competição ser importante. É a escassez de partidas relevantes, que torna partidas como “PSG x Bayern” ou “Real Madrid x Liverpool” um momento de elevada expectativa. O aumento de ofertas assim reduz a escassez, e consequentemente o interesse.
Assim como na NBA existe Lakers x Hornets na fase inicial, para deixar os jogos realmente relevantes para a fase de playoffs.
IMPACTOS NA INDÚSTRIA
Todos os organizadores da indústria já se mostraram contra o tema. Da UEFA à FIFA, de líderes como Boris Johnson a Emmanuel Macron. E a União Europeia será chamada a analisar o tema de alguma forma. Se colocado em prática, a Superliga refletiria numa redução de valores pagos pelas ligas nacionais caso sejam excluídos. Apesar dos clubes quererem permanecer nessas competições, é quase certo que serão “convidados” a se retirarem.
Significará menos dinheiro, e talvez a reorganização da estrutura do futebol a níveis mais racionais. Porque a formação de atletas não está nos clubes da suposta elite, mas nos excluídos. Sem eles é quase impossível uma reciclagem de elenco, especialmente se os atletas que migrarem para a competição forem excluídos de suas seleções nacionais.
A FIFA COMO FIEL DA BALANÇA
Por enquanto a FIFA se manifestou numa declaração tímida, se colocando contra a Superliga, mas pedindo calma e conversa para que todos cheguem a um bom fim. Ela é a instituição que mais sofre com o tema, e está numa sinuca.
Se apoia os clubes quebra a regra básica de estruturação do negócio, que é a filiação dos clubes às federações nacionais, que se filiam às continentais e essas à FIFA. Apoiar a quebra significa abrir precedente para outros movimentos, que culminarão na explosão do sistema.
E a primeira quebra seria uma potencial separação da UEFA. Sem UEFA na Copa do Mundo significa que a Eurocopa seria altamente relevante e a competição mundial passaria a ser um Brasil x Argentina com alguns coadjuvantes. Logo, perda de valor no principal produto.
Se a FIFA apoia a UEFA, e esta bane os clubes e consequentemente seus atletas, significa que as seleções nacionais poderiam perder parte das equipes, tornando a Copa do Mundo uma competição sem estrelas, e consequentemente, com menor impacto financeiro.
Logo, a FIFA tem total interesse numa organização do tema, pois as consequências serão bastante ruins para a entidade.
OS ATLETAS
Nessa história toda ainda temos os atletas, que podem ser banidos e proibidos de atuar por suas seleções nacionais. Qual o impacto disso na carreira e na relação de alguns com seus países?
Parece lógico que vários façam a opção pelo dinheiro, mas muitos podem abrir mão em detrimento de permanecer jogando por suas seleções. Em algum momento serão chamados ao jogo, e serão relevantes no andamento dessa conversa.
ENFIM…
O assunto está muito recente, haverá uma série de discussões, conversas, ajustes, sanções, e a única coisa que temos certeza é de que não dá para garantir nada. Apenas que o movimento da Superliga é contra a essência de mérito no futebol, que é capaz de criar Leicester, Atalanta, ressurgir o Napoli, de ter o Lyon e o Ajax numa semifinal de Champions League. E todos os atletas descobertos e formados por esses clubes.
Talvez a Superliga seja a transformação da profecia em realidade: no futuro o futebol perderá relevância. Estão dando um passo nessa direção.