Ainda não é para tanto

Domingo, 28 de março, noite na Europa, mesa-redonda “Studio Sport”, da NOS, a emissora pública de televisão dos Países Baixos. O assunto era o começo preocupante da seleção masculina do país nas eliminatórias da Copa de 2022: estreia com derrota fora de casa para a Turquia (4 a 2), na quarta passada, e uma vitória com mais chances do que gols diante da Letônia (2 a 0, em Amsterdã). As reclamações começaram com um ex-jogador, Theo Janssen (“A seleção estava no embalo. Quando Frank de Boer assumiu o comando, parece que a confiança se foi”). E outro nome na “Studio Sport”, bem mais conhecido – Rafael van der Vaart – foi na mesma linha lamuriosa, evocando reclamações de Memphis Depay e Georginio Wijnaldum ao serem substituídos contra a Letônia: “Falta uma energia (…) Não precisamos falar de Koeman, o técnico da seleção é Frank de Boer. Mas sob Koeman essas coisas não aconteciam”.

Do jeito que se fala, parece que a Laranja não tem nem terá chance alguma de voltar a um Mundial, oito anos depois do terceiro lugar no Brasil. Certo, há motivos para críticas e preocupação. Mas não é para tanto. Quando nada, porque a terceira rodada das eliminatórias ajudou a situação dos neerlandeses – não só pela goleada protocolar sobre Gibraltar (7 a 0) como pelo empate entre Letônia e Turquia (3 a 3), embolando o grupo e recolocando a seleção abóbora no páreo. Além do mais, a campanha de qualificação ainda está no princípio. Qualquer palpite é altamente precipitado.

Mesmo se a Holanda cometer um vexame na Euro que está por vir – pelo menos, por enquanto -, há tempo para uma correção de rota. Quando chegou, Frank de Boer assinou contrato até o fim de 2022, coincidindo com o fim da Copa. Mas a federação já informava: após o torneio continental de seleções, haverá uma conversa para avaliação do trabalho com o treinador. As possibilidades de demissão são baixas (só um vexame inqualificável na Euro poderia levar a isso), mas se a KNVB decidisse pela saída do ex-zagueiro, ainda haveria algum tempo para o sucessor se aclimatar.

Sim, é correto reconhecer que o trabalho de Frank de Boer já tem tempo e já dá razões suficientes para críticas. A defesa da seleção já sofreria pelo simples fator da ausência de Virgil van Dijk, que vivia fase reconhecidamente esplendorosa na carreira antes da grave lesão de ligamento em seu joelho. Sofre ainda mais com a lentidão na marcação para contra-ataques: o meio-campo fica aberto demais, e tudo estoura no quarteto de defensores. Foi a principal razão, por exemplo, para a vitória da Turquia nas eliminatórias – e até mesmo a Letônia, embora facilmente superada, deu seus sustos aqui e ali.

Também há problemas no ataque, com a crônica falta de um goleador. Há jogadores satisfatórios: Memphis Depay, Steven Berghuis (talvez o melhor holandês nesta leva de datas FIFA), Donyell Malen, Luuk de Jong, Calvin Stengs… mas nenhum deles é um atacante acima de qualquer suspeita quando a questão é colocar a esférica no filó do adversário. E quando as chances aparecem, são perdidas por falta de competência e precisão. Além do mais, a troca de passes e a criação de jogadas da Holanda tem sido muito lenta. E isso dificulta muito as coisas, diante de equipes bem fechadas – como foram Turquia, Letônia e até Gibraltar.

Ainda assim, a má impressão deixada pela Laranja foi um pouco exagerada pelos comentários. Como se a equipe nacional tivesse sido uma Cinderela nos tempos de reação sob Ronald Koeman, para voltar a ser Gata Borralheira atualmente. Novamente, não é bem assim. Mesmo quando o atual técnico do Barcelona treinou a seleção, problemas como a falta de um atacante confiável e a lentidão excessiva contra defesas fechadas já estavam visíveis e já eram criticados. Mesmo sob Koeman, a Holanda ainda oscilava aqui e ali.

Isto é: nem durante elogiada reestruturação, a Holanda era melhor do que as seleções do primeiro escalão europeu atual – França, Bélgica, Portugal. Nunca foi considerada uma favorita destacada à Euro. E nem agora, com as oscilações acentuadas sob Frank de Boer, ela é tão pior do que as seleções do seu tamanho. Basta citar pelo menos uma boa atuação, já sob o comando do técnico atual: o 1 a 1 contra a Itália, pela Liga das Nações, em Bérgamo. Basta citar que os bons jogadores ainda estão ali: Frenkie de Jong, Wijnaldum, Memphis Depay. Não é nada pior do que Turquia, ou Noruega, ou Croácia, ou quaisquer seleções do mesmo quilate.

Por tudo isso, embora a Holanda deva tratar as oscilações de sua seleção com alguma preocupação, ainda são exagerados os temores de que ela volte a ficar de fora de uma Copa. Pelo menos, enquanto não chegam os jogos de setembro – contra Noruega, Montenegro e Turquia, todos adversários diretos por vaga no Mundial.

Aí, sim, a Laranja terá o que provar. Aliás, talvez já tenha o que provar na Euro.