Às vésperas do início da 27ª rodada da Serie A, não é exagero apontar a Fiorentina como aquela que pratica o pior futebol entre as 20 equipes da 1ª divisão italiana. A classificação não engana. Atualmente em 14º na tabela e distante seis pontos da zona vermelha, a Viola joga, desde o início do campeonato, como uma legítima pretendente ao rebaixamento.
Escorada em um componente nostálgico, a mudança de rota promovida com a chegada de Cesare Prandelli pouco modificou a realidade em Firenze. Tampouco as alterações táticas e de elenco melhoraram o panorama da equipe que, mais uma vez, terá que se contentar com a luta pela permanência até o final da temporada.
Mas, afinal, por que a Fiorentina não evolui?
Na sequência, destaquei alguns dos principais pontos problemáticos ao longo da segunda passagem de Prandelli pela Viola e que podem traduzir os maus resultados em campo. Vejam se concordam!
FORZA VIOLA. pic.twitter.com/RZ7pZTIHx2
— ACF Fiorentina English (@ACFFiorentinaEN) March 7, 2021
Indecisão no esquema
Em novembro de 2020, a Fiorentina anunciou que trocaria seu treinador após apenas sete rodadas disputadas na Serie A. Giuseppe Iachini, que não deveria nem ter sido mantido para o início da temporada, foi tirado de cena de maneira até embaraçosa para a chegada de um nome histórico na cidade. Um salvador da pátria!
Cesare Prandelli teve sua melhor passagem à frente de um clube, justamente, na Viola, entre 2005 e 2010. Com 63 anos e poucos trabalhos recentes, chegou com a incumbência de devolver a garra e o coração dos jogadores, além de reorganizar taticamente o time. Sua primeira medida foi alterar o sistema de jogo, um pedido frequente de torcedores angustiados.
Parecia ser o fim do 3-5-2, amado por Iachini e tão questionado por sua ineficácia defensiva e limitação dentro das opções disponíveis no elenco do time. Ora, com Ribéry e Callejón, dois pontas legítimos, e um monte de meio-campistas à disposição, nada fazia mais sentido do que reajustar as peças no tabuleiro!
Nos primeiros cinco jogos, Prandelli implementou uma linha de 4 atrás, mas com variantes no setor de meio-campo e ataque. 4-2-3-1, 4-3-1-2, 4-4-2, 4-3-3 e 4-4-1-1. Acredite se quiser. Um desenho diferente para cada jogo! Tentou espetar dois pontas e manter os três meias, armou uma dupla de ataque com Vlahovic e Kouamé, tentou jogar com dois laterais pelo lado direito (Venuti e Lirola)… Até Eysseric reapareceu.
Nada (ou quase nada) deu certo. A Fiorentina perdeu 3 desses 5 primeiros jogos, empatou outro aos 98 minutos e só venceu 1 – pela Coppa Italia, na prorrogação, com gol de Montiel, meia reserva de 20 anos de idade.
Após esse fracasso inicial, adivinhem só? Voltaram os 3 zagueiros. Sem margem para testes, Prandelli achou melhor dar dois ou três passos para trás e tentar começar de novo. Nos 16 jogos seguintes levou a campo um time que variou entre um 3-4-2-1, geralmente com Ribéry e mais um meia atrás de Vlahovic, e o 3-5-2 legítimo. Na fase defensiva, uma linha de 5 é formada atrás, com 3 ou 4 meias à frente.
Só que existe um problema. Cesare Prandelli não possui trabalhos de destaque na carreira utilizando os 3 zagueiros. Simplesmente não é um esquema bem desenvolvido pelo treinador. Seja na Fiorentina vitoriosa do final da década de 2000, no Parma, na seleção da Itália…
O único registro que há deste sistema sendo utilizado por Prandelli é em seu trabalho mais recente antes da Viola, no Genoa, e que por sinal foi terrível (apenas 4 vitórias em 24 jogos). Estamos falando, portanto, de uma filosofia de jogo que não bate com o modelo vigente. Não é surpresa que o time NÃO tenha evoluído.
A Fiorentina é estéril na criação, dependente de dias bons do veterano Ribéry e do jovem Castrovilli e que comete erros infantis na defesa. Na beira do campo, Prandelli parece alguém que não entende as regras do xadrez, olhando para um tabuleiro bagunçado. Nos últimos tempos, seus habituais gestos enérgicos vem se tornando mais escassos. A voz rouca do italiano já não domina o ambiente de um Artemio Franchi vazio.
“Ah, mas um treinador precisa saber se adaptar aos jogadores que tem!” Certamente que sim. Porém, a chance de o casamento dar certo diminui quando o comandante não consegue aplicar suas ideias. Claramente, o técnico da Viola se vê engessado por suas opções. Diante de um elenco mal montado (e isso não é só culpa dele), a Fiorentina agoniza sem saber ao certo qual é o jeito menos pior de se organizar em campo.
E o mais preocupante. Prandelli já não parece ter mais cartas disponíveis na manga.
A corda estourou…
Diante de uma fase ruim em que o clube só faz perder, é natural que o treinador da Viola busque sempre levar a campo o que tem de melhor. Cada jogo da Fiorentina é uma decisão. E a situação tende a ficar mais dramática a cada rodada.
No entanto, é nítido que Cesare Prandelli fez opções questionáveis no que tange a rotatividade do elenco. Apesar das mudanças táticas, os jogadores utilizados são praticamente sempre os mesmos. Sim, o plantel da Viola é limitado, mas algumas peças simplesmente não foram (ou deixaram de ser) aproveitadas. E ninguém sabe o porquê…
Tòfol Montiel, que já mencionei aqui, precisou de menos de cinco minutos em campo para classificar a equipe na Coppa Italia, contra a Udinese. Depois disso, praticamente não teve mais minutos. O espanhol é jovem, ainda precisa evoluir do ponto de vista físico, mas não há razão para não ter tido sequer uma chance real de mostrar seu futebol.
Já Antonio Barreca e José Callejón, contratações do início da temporada, são figuras raras na escalação de Prandelli. Callejón representa uma situação ainda mais grave, já que chegou como substituto de Federico Chiesa, atualmente na Juventus. Só que o ex-jogador do Napoli não consegue se encaixar no sistema (falarei mais disso na sequência).
Outro exemplo é Martín Cáceres. Após marcar um gol na épica vitória contra a Juve, em Turim, no último jogo de 2020, o uruguaio desapareceu das escalações neste ano. Agora, se limita a entrar no final de uma ou outra partida. Por qual motivo isso acontece?
Diante dessas incertezas e sumiços, a conta chegou. O ritmo frenético de viagens e jogos potencializado pela pandemia de Covid-19 cobrou um preço caro da parte física. Alguns jogadores começaram a “estourar”. É o caso do brasileiro Igor Julio que, na verdade, foi um acerto de Prandelli. Igor passou a ser mais utilizado, se tornou titular na zaga e vinha atuando bem.
O jovem brasileiro tem virtudes interessantes e quase únicas nesse elenco. É canhoto, de bom porte físico e técnica elevada para um defensor (seu passado como meia na base explica). No entanto, no dia em que foi escalado pela primeira vez como ala-esquerdo, contra a Roma, acabou tendo uma lesão muscular e está fora de ação por tempo indeterminado.
Igor teve o problema mais sério, mas não foi só ele. Bonaventura, Castrovilli, Kouamé, Amrabat, Ribéry… e até mesmo Kokorin, que acabou de chegar. Cada um, com seu grau de importância, desfalcou a Fiorentina nas últimas rodadas. No último jogo, diante do Parma, tivemos o ápice, com cinco ausências registradas. Se o elenco já não apresenta muitas soluções, a última coisa que Prandelli precisa são de desfalques…
Em janeiro, o técnico afirmou que não queria jogadores descontentes no plantel. A diretoria agiu e “se livrou” de Saponara, Cutrone, Lirola e Duncan. Esses últimos dois, certamente deram um nó na cabeça dos torcedores. Ainda mais quando Malcuit foi anunciado, um jogador que recentemente conviveu com muitas lesões, para suprir a ausência de Lirola.
Isso enfraqueceu o elenco. Reduziu o número de opções e de variações possíveis ao longo do próprio jogo. O resultado são substituições que não mudam para melhor o roteiro das partidas. Se Prandelli não queria ninguém reclamando no banco de reservas, eu não imagino que exista muita gente contente nesse momento (nem no banco, nem em campo)…
Mas fato é que o treinador e toda a equipe médica do clube tem culpa no cartório, sim. Seja na recuperação ou preparação física dos jogadores, na dosagem de minutos ou nas alterações durante os jogos. E a questão não se limita a lesões ou substituições. É nítida uma queda de rendimento da equipe ao final das partidas, algo que está custando muito caro e que nos leva ao próximo tópico…
Gols no fim
O resultado diante do Parma é enganoso. Sim, foi a Fiorentina quem empatou o confronto no último minuto, mas isso não vem sendo a tônica da equipe na temporada. Somente em 2020, foram OITO pontos perdidos nos últimos 20 minutos das partidas, sem contar a eliminação para a Inter na Coppa Italia.
Caso tivesse segurado os placares e evitado gols no fim dos jogos, a Viola teria agora 34 pontos, na 10ª colocação da Serie A. Bem mais confortável, não?
Nos 10 minutos finais, os números também não mentem. A equipe de Prandelli levou 10 gols dos adversários na temporada e marcou apenas 5 nesse mesmo período (sendo que três deles não mudaram o resultado final). Ou seja, contra o Parma, foi apenas a segunda vez em que o time buscou um gol nos minutos derradeiros – a outra ocasião foi contra o Genoa, também no Artemio Franchi. O placar final foi de 1 a 1.
Acho que o que mais chama a atenção é a incerteza quanto à estratégia nos fins dos jogos. Contra Udinese e Roma, por exemplo, o time tentou negociar um empate, chamou demais o adversário para cima e acabou sofrendo o castigo, sendo derrotado em ambas. Já diante do Parma, saiu para o ataque de forma completamente aloprada. Cedeu espaços e quase perdeu de virada.
De um jeito ou de outro, a Viola está levando golpes atrás de golpes. Muito por conta dos espaços cedidos entre linhas e, principalmente, por uma AVENIDA atrás de Biraghi do lado esquerdo. DEZ dos últimos 11 gols sofridos tiveram origem naquele setor do campo. Não é coincidência.
Já são 41 bolas nas redes dos adversários na Serie A. A defesa é um aspecto que Prandelli ainda não conseguiu melhorar. O time segue falhando, segue concedendo espaços e acaba torcendo por um dia inspirado do goleiro Dragowski (que estão se tornando cada vez mais raros).
Claro que o resultado concreto importa muito, mas deixando um pouco de lado os números, o declínio físico da equipe chama a atenção praticamente em todos os jogos. Parece que as partidas da Viola tem um roteiro pré-determinado: começo interessante, com uma marcação pressão e posse de bola, até que uma falha é cometida na defesa e a estratégia se esfarela.
De vez em quando essa receita muda. Contudo, a Fiorentina certamente estaria melhor colocada se tivesse conseguido eliminar os erros cometidos ao final dos jogos. Sejam eles por uma questão física ou psicológica (falta de concentração, motivação), fato é que Prandelli já teve tempo de observar esse padrão. Mesmo assim, foi incapaz de corrigi-lo.
Destaques em má fase
Como escrevi outro dia em um post da Fiorentina Brasil no Twitter e Instagram, a equipe de Florença só funciona no videogame. E por que isso? Pelo fato de ter bons atletas no elenco, e que já mostraram ótimas qualidades ao longo de suas carreiras.
Discordo de quem fala que a Viola tem jogadores FRACOS. Pode ser um plantel incompleto, mal formado de acordo com as características do grupo, mas, certamente, a equipe roxa tem alguns bons nomes à disposição. Só que muitos deles vem atravessando uma fase terrível nesta temporada.
A começar por Germán Pezzella. Quando o capitão de sua equipe é um dos jogadores menos confiáveis do momento, existe um problema sério. Entre o trio de zaga que atuou nas últimas partidas, o argentino é, sem dúvidas, o mais apático e que comete o maior número de falhas. Está estranhamente lento e desconcentrado.
Quem acaba segurando a barra é seu compatriota, Lucas Martínez Quarta, que inclusive foi escolhido como melhor jogador do mês de fevereiro. Além de Pezzella, o chileno Erick Pulgar também está aquém de suas capacidades. Importante no ano passado, com gols e assistências, ele sequer vem conseguindo se firmar na escalação inicial.
Autor de seu 1º gol com a camisa da #Fiorentina no último domingo, Lucas Martinez Quarta foi escolhido o JOGADOR DO MÊS em fevereiro 💜⚽
Após alguns percalços, o zagueiro argentino se tornou titular, mostrando ter sido a melhor aquisição do time nesta temporada conturbada 🇦🇷 pic.twitter.com/3NoEaFRY0t
— Fiorentina Brasil (@FiorentinaBR_) March 10, 2021
Apesar de ter feito o cruzamento para o primeiro gol da Viola no último jogo, cometeu inúmeras falhas defensivas. Outro que também vem vacilando nesse departamento é Cristiano Biraghi. Lateral da seleção azzurra, o italiano demonstra apatia e cansaço notáveis. Tudo isso, claro, também está relacionado à parte física, sobre a qual já falei.
Mas é fato que, sem ter os melhores jogadores em boa fase, fica muito difícil para uma equipe encontrar saídas. Pezzella, Pulgar e Biraghi não são craques, estrelas que desequilibram um duelo. São jogadores nota 6, 7… mas que atualmente vem entregando atuações nota 3, 4.
Exceto no videogame. Aí, se você joga com a Fiorentina, pode ficar tranquilo. Como os games virtuais se baseiam mais na “melhor versão” de cada jogador do que, de fato, na atualidade, a Viola continua sendo um time forte, com todos os jogadores atuando em seus níveis máximos. Só no videogame mesmo…
Onde está Callejón?
Se a situação melancólica da Fiorentina nesta temporada tivesse de ser resumida em um nome, ele seria o de José Callejón. Como já falei, o espanhol chegou à Florença no último dia da janela de transferências do início da temporada, com a responsabilidade de substituir ninguém mais, ninguém menos que Federico Chiesa.
Agora, podemos notar a falta que o ex-atacante faz ao time violeta. Primeiramente, é injusto querer comparar um jogador de 23 anos com outro de 34. Além disso, as características são totalmente diferentes, até mesmo a posição e função cumprida em campo. Não há nada que aproxime Callejón de Chiesa, a não ser a letra C no início do sobrenome.
Na verdade, trata-se de uma falha grave da diretoria da Viola, que não supriu a saída de seu melhor jogador. Callejón foi jogado de última hora no colo do torcedor como uma “solução”. Nem ele acreditava nisso. Com Iachini, já não era uma figura frequente. Com Prandelli, tornou-se uma peça irrelevante, sem uso no atual elenco.
Callejón, de tantos anos brilhantes em Nápoles, com gols, assistências e títulos, não consegue jogar na Fiorentina, 14ª colocada da Serie A. E Prandelli também não parece fazer muita questão de adequar seus sistema para receber o espanhol. Ele que se vire!
O camisa 77 atuou 20 minutos nos últimos cinco jogos somados. E lembrem-se: em um time carente de opções e cheio de jogadores no departamento médico. A principal manchete de Callejón na temporada foi por conta da foto que tirou com o elenco do Napoli, após a Fiorentina ser humilhada por 6 a 0, em janeiro… Uma piada de mau gosto.
Enquanto o veterano agoniza no banco, nós, torcedores, somos obrigados a ver Dusan Vlahovic em campo, todo jogo, quase sempre por 90 minutos. O sérvio é brigador. Briga com ele mesmo, com os companheiros, com os adversários, com a bola… Apesar de já ter nove gols nesta temporada, é gritante a necessidade que ele tem por ajuda.
Vlahovic é extremamente limitado tecnicamente, por vezes faz mau uso do físico para proteger as bolas e não se impõe em duelos aéreos. Em sua defesa, vem jogando completamente ilhado nas últimas semanas. Sem a ajuda de Callejón, com Ribéry fora de ação muitas vezes e Kouamé machucado, a situação piora ainda mais.
Prandelli não consegue compensar a fragilidade da defesa com um ataque consistente. Muito pelo contrário. Com 29 bolas nas redes, o time detém o quarto pior poderio ofensivo de toda a Serie A. É também uma das três equipes que mais cruzam bolas na área, mas com pouquíssimos gols de cabeça. E Callejón, que chegou com pinta de titular, não consegue oferecer nada para atenuar essa situação.
Concluindo…
Evidentemente, os problemas da Fiorentina não se limitam ao treinador Cesare Prandelli. São erros de decisão que acompanham a equipe há pelo menos duas temporadas. Falta de um projeto consolidado, mercados muito mal aproveitados, mudanças bruscas de direção.
Todo mundo tem culpa nessa história. Rocco Commisso, o presidente, Joe Barone, seu braço direito, Daniele Pradè, diretor de futebol e alvo massivo das críticas de torcedores da Viola… Estruturalmente, o clube tem lacunas. E elas se refletem dentro das quatro linhas.
Por isso, é injusto apontar o dedo para Prandelli (ou até mesmo Iachini) sem entender que o ambiente em Florença nos últimos tempos vem sendo problemático. Troca de gestão, busca incessante por um estádio e pouca atenção ao projeto esportivo. Os resultados mostram. Não é somente a equipe masculina a sofrer com isso. O time feminino e juvenil também são impactados por uma gestão confusa e que ainda não conseguiu resolver suas prioridades.
Dito isso, a Fiorentina de Prandelli é um deserto de ideias. Mal armada taticamente e com uma postura que, por vezes, nos assombra (no sentido negativo). Oscilação é a palavra que define esse grupo, decepção é a palavra que define o trabalho do comandante italiano. No entanto, para sorte dele, o objetivo não é lá muito ousado: basta permanecer na elite do calcio.
Para isso, são doze rodadas até o fim da Serie A. Doze trabalhos de Hércules, um após o outro, que a equipe, treinador, diretoria e torcida terão de superar juntos. Seria, ao menos, um final digno para a segunda passagem de Prandelli por sua casa, Florença.
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Complimenti, Mister 🙌
100 vittorie da allenatore della Fiorentina in Serie A per Cesare Prandelli 👏 #ForzaViola 💜 #Fiorentina pic.twitter.com/vcxRjpkiyv— ACF Fiorentina (@acffiorentina) February 20, 2021