No final do século XIX, por volta de 1840, um grande fluxo de imigrantes italianos desembarcou nos Estados Unidos. Era a colonização de uma terra nova, que abraçou gente de todos os cantos do planeta, assim como o Brasil. A partir de 1870 a onda cresceu e tomou parte do norte e nordeste americano, de forma a compor uma das maiores populações do país no início do século passado. Entre 1880 e 1914 estima-se que cerca de 4 milhões de italianos tenham desembarcado no país, de forma que hoje a população de Italian Americans seja da ordem de 17 milhões de pessoas.
Italians Americans são bastante famosos no mundo das artes. De Steve Vai a Joe Satriani, passando por Tom Morello e Vinnie Colaiuta. De Al Pacino a Joe Pesci, de John Travolta a James Gandolfini, a Itália contribuiu com muito mais que a pasta e o parmeggiano reggiano para a felicidade dos americanos.
Num movimento de volta às origens – pelo menos a parte das origens – o calcio italiano está recebendo uma série de investimentos de americanos, oriundi ou não. Atualmente são 6 as equipes da Série A que possuem donos americanos, e algumas outras em séries menores. Temos:
Rocco Comisso – Fiorentina
Friedkin Group – Roma
Krause Group – Parma
MSD / Platek – Spezia
Elliot – Milan
Joe Saputo (Canadense) – Bologna
Além deles, são propriedades de americanos o Venezia, Como, Padova, Pisa e até o Campobasso da Serie D. Uma enxurrada de americanos que apenas na Serie A aportaram mais de € 1,4 bi entre aquisições e aportes de capital. Não é pouco dinheiro, considerando que a maior parte das movimentações ocorreu entre o final e 2018 e o início de 2021.
Além de acessar uma terra que os americanos gostam – Dan Friedkin teria dito que escolheu a Roma porque para qualquer pessoa no mundo que você disser “Itália” o que vem à mente é a Cidade Eterna (discordo um pouco, porque tem o vinho, o prosciutto, o parmeggiano, a mozzarela, Firenze, a Ferrari, Juventus, Milan, Inter, o pomodoro, como sempre lembra Mauro Betting… melhor parar por aqui porque a lista é quase infinita) – o futebol italiano é também uma porta importante para entrar no esporte e na economia europeia.
Depois de ser a grande liga europeia nos anos 90, a Serie A perdeu força e relevância no mundo do futebol, enrolada pelas necessidades de enquadramento a regras de fair play financeiro, pelas crises econômicas e políticas do país, e também pelo amadurecimento das ligas concorrentes. Mas desde o final da década passada algo mudou, principalmente com a mudança da gestão e da visão da liga.
O futebol italiano precisava deixar de ser tão tradicional e conservador, tão tático, e precisava se transformar no mesmo evento que Premier League, Bundesliga e La Liga eram. Não bastava ter a Juventus vencendo todos os anos em casa, mas sendo coadjuvante na Europa. Era preciso mais, era preciso recuperar Milan e Inter e fortalecer os clubes que cresceram nesse período, como Roma, Napoli, recuperar a Lazio.
Desde então, ali por volta de 2017 iniciou-se uma retomada, que tem como marco a chegada de Cristiano Ronaldo à Juventus, a retomada dos investimentos da Inter, a chegada do fundo Elliott ao Milan e o desenvolvimento de novas ideias de jogo, exemplificados por Atalanta e Sassuolo, pelo crescimento de Maurizio Sarri como treinador que ia além do futebol italiano.
Ajudados por uma lei do governo que reduziu alíquotas de imposto de renda para atletas e treinadores estrangeiros que atuassem no país, vimos um boom de contratações, a ponto da atual temporada ser uma das mais interessantes da Europa, se não a mais. Inter, Milan, Juventus, Roma, Atalanta, Napoli, Lazio, todas equipes de boa qualidade, e um futebol cada vez mais vistoso. Ainda há um longo caminho a percorrer até conseguir juntar as ideias táticas tradicionais aos modelos de jogo mais contemporâneos, mas é um processo claramente evolutivo.
E o que os americanos tem a ver com isso? Pois bem, eles querem se aproveitar de dois movimentos. O primeiro é fazer parte desse processo evolutivo, comprando clubes relativamente baratos, investindo, e participando da retomada do futebol italiano para ganhar dinheiro, na estrutura, mas especialmente vendendo clubes mais sólidos que participam de uma competição mais atraente.
O segundo aspecto que atrai os americanos é o potencial de ganho com o setor imobiliário, mais precisamente com novos estádios. Das 5 grandes ligas a Serie A é possivelmente a que tem as instalações mais antigas, menos aderentes aos novos padrões de estádios pelo mundo. Para os adeptos do dito “futebol raiz” é ótimo entrar num estádio com o Artemio Franchi de Firenze, ou o Ciro Vigorito de Benevento, mas para os clubes é sempre uma oportunidade desperdiçada de fazer dinheiro. Instalações mais modernas e confortáveis permitem valores diferenciados de ingresso, consumo adicional em dias de jogos e sem jogos, e desenvolvimentos imobiliários no entorno.
Surgem então desenvolvimentos importantes, como as ideias de novos estádios em Roma, Milão, Parma e Spezia, além de projetos em Bologna e Cagliari. Estádios que se transformam em zonas renovadas, com áreas de lazer, shoppings, edifícios comerciais e residenciais.
Com isso os clubes passam a ter acesso não apenas a mais receita como também maior valor. Associando isso a uma liga mais forte, que tenha maior qualidade de jogo e competitividade, os Italian Americans fazem o caminho de volta exatamente com a ideia dos italianos que chegaram à terra do Tio Sam há mais de um século: trabalhar, se desenvolver, crescer.