Paciência com a base do Flamengo

Ninguém fica pronto de cara. Até mesmo os maiores fenômenos do futebol precisam passar por um processo fundamental na vida de qualquer atleta: a lapidação. E é por isso que sempre bato na mesma tecla quando o assunto é a base do Flamengo. Sem paciência com a garotada, a chance de revelar grandes talentos é bastante reduzida.

Não existe exatamente um manual de como usar a base, de como fazer essa transição para os profissionais. Cada jogador tem seu tempo de maturação, seu desenvolvimento físico, técnico e emocional, mas há algo inegociável: o processo de amadurecimento de qualquer atleta das categorias de base.

O futebol parece simples aos olhos de quem consome como entretenimento, mas para fazer sucesso, chegar nas grandes ligas e atingir o ápice é necessário percorrer um longo e nem sempre glorioso caminho. É preciso muita resiliência, muito trabalho, treino e foco para se diferenciar dos medíocres. E ainda assim não é garantia de sucesso.

Especificamente no Flamengo, a pressão é gigantesca, quase insuportável para a grande maioria. Em linhas gerais, a torcida não quer saber se o garoto ainda não está pronto, se um menino de 17 anos até outro dia brincava de bola descalço na rua. Ela quer resultado. Ela quer que o moleque entre em campo e arrebente de cara, que se destaque de imediato, mas isso acontece em raríssimas ocasiões. Não importa o time, não importa a estrutura.

Quando a garotada ganha a chance de ouro de defender a equipe profissional, a carga emocional é imensa. A vontade de performar também. Acontece que a combinação de pressão e despreparo torna o desafio árduo e quase sempre infrutífero.

Um garoto que recebe uma bola na ponta e vê seu marcador à frente, precisa ter, acima de tudo, coragem. Ele tem que arriscar sem medo de errar. Quantas vezes forem necessárias. Ainda que erre todas as tentativas. Um jovem ainda em formação está ali justamente para aprender, para se tornar um profissional de valor, para quando realmente for solicitado no grupo principal, ser capaz de entregar, de agregar valor ao time, nos prováveis poucos minutos que terá num time estrelado como é, hoje em dia, o Flamengo.

Como o Flamengo novamente começou o Campeonato Carioca com seu time de garotos, mais uma vez a chance bateu à porta da garotada. Apesar de mais experiente por contar com muitos meninos que já integram o grupo profissional, a necessidade de evolução segue sendo essencial. A resposta positiva depende de confiança, de apoio da torcida e de paciência por parte da mídia para que os garotos do Ninho não sofram ainda mais pressão.

Hoje, o Flamengo é um time com as características perfeitas para um jovem talento se desenvolver. Bem estruturado, recheado de craques e enfileirando troféus, o Rubro-Negro é o berço ideal para a formação de garotos que podem vir a ser o futuro do Flamengo.

Um menino talentoso da base precisa de minutos para se desenvolver, não de jogos inteiros para se queimar. Toda vez que você enxergar um menino de 18 anos como solução para uma equipe grande, pode ter certeza: o processo está errado.

E a resposta do Flamengo de garotos nesse início de Carioca é animadora. Se não foram jogos espetaculares, ao menos foram duas vitórias sem sofrer gols e com alguns jogadores começando a se destacar.

O Flamengo tem ótimos valores que precisam de uma atenção especial. Os laterais Matheuzinho e Ramon, o zagueiro Natan, os volantes João Gomes e Hugo Moura, o atacante Rodrigo Muniz, entre outros. Todos já com certa rodagem no profissional, mas que ainda necessitam de mais fundamentos e estrutura emocional para lidar com a pressão de assumirem protagonismo no “time de cima”.

O campo de jogo é o principal foco de qualquer atleta profissional, mas está longe de ser o único. Por trás de cada jogador existe o ser humano, cheio de falhas e inseguranças. É natural as pessoas se preocuparem mais com as questões esportivas, como fundamentos, parte física e disciplinar, mas a cabeça do atleta é parte fundamental do processo de desenvolvimento de um jogador profissional.

Ter inteligência emocional pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso nas quatro linhas. Não basta ter talento. É preciso construir um ser humano completo.